MENSAGEM PARA HARRY
POTTER
((16/6/2012.) AVISO: Não deve ler todo este texto quem não sabe o fim de Harry Potter e as Relíquias da Morte, o sétimo livro da série, a menos que queira saber qual das personagens — Harry e Voldemort — vence. Contudo, a partir do terceiro parágrafo não há perigo, embora a curiosidade possa ser traiçoeira e fazer com que os olhos "escorreguem" para os parágrafos "proibidos", que são os dois primeiros. Deverá o leitor, portanto, ter autocontrole, se não quiser saber coisas que estão nos livros que ainda não leu.)
Teresópolis,
27 de julho de 2011.
Prezado
Harry:
Muito lhe sou
grato por suas peripécias. Se não fosse por elas, jamais, nesta era tão
cientifizada pelos trouxas, o nome de Nicolau Flamel e a lenda da Pedra
Filosofal poderiam rever a luz do dia, e eu nunca me interessaria tanto por
eles. O mesmo vale para as vassouras, para os gatos que leem placas, para
os carros voadores, para o hipogrifo, para os enigmas e jogos de palavras, para
os duelos de varinha, para as poções, para a busca pela verdade típica dos
romances policiais, para a necessidade de lutar pelo que é certo, para a
importância de não aceitar coniventemente o que dizem os jornais, para a
necessidade de enxergar o que há por detrás da ordem vigente, para a
necessidade de mais tolerância, para a luta contra a tirania, etc.
Imagino que esteja
agora levando uma vida tranquila (excluindo o fato de que se tornou auror)
desde 1998 ao lado de Gina, Tiago, Alvo e Lílian; mas saiba que seus atos
jamais serão esquecidos por nós, trouxas. São tantas as coisas que
fez. No primeiro ano em Hogwarts, você impediu que aquela magnífica gema,
a Pedra Filosofal, caísse em mãos erradas; no segundo, destruiu o diário de
Riddle, com o qual ele podia comandar o basilisco, cuja função era matar os
chamados sangues-ruins; no terceiro, descobriu quem havia traído seus
pais na época em que Voldemort ascendia ao poder; no quarto, depois de
enfrentá-lo disposto a morrer — coisa que ele jamais faria, já que temia a
morte mais que tudo — avisou à comunidade bruxa o seu retorno; no quinto, foi
oprimido e ridicularizado por ela, mas no fim acreditou em você; no sexto,
descobriu o que tinha de fazer para matar Voldemort, enquanto ele e seus
seguidores ameaçavam famílias e assassinavam pessoas; e, finalmente, munido das
informações do maior bruxo que conhecera, pôs-se a fazer o que devia para
liquidar seu inimigo e restaurar o mínimo de justiça, e conseguiu — porém não
porque fosse mais forte ou mais inteligente que ele, e sim porque você estava
certo, e ele, errado. Contudo, o seu maior feito foi fazer
uma geração gostar de ler — e ler é um exercício da imaginação, e também um
estímulo do pensamento crítico.
Obviamente há, por
assim dizer, os trouxas (fools) que dizem bobagens sobre você.
(Pessoalmente, não gosto de gírias, mas esta, que a meu ver cai muito bem nas
versões brasileiras de seus livros como tradução de muggles, é perfeita
para caracterizar os parvos que o menosprezam categoricamente.) Basicamente,
dividem-se os seus detratores em dois grupos: o dos que o acusam de bruxaria, e
o dos que o acusam de não passar de fancaria literária. Portanto, há os
que o criticam tão só por causa do conteúdo, e há os que o criticam por
causa da forma; mas tanto por uma coisa como pela outra você se
salva. Ora, qualquer mentecapto que tentar fazer um de seus feitiços verá
que é uma absurdeza dizer que você incentiva a bruxaria. Não sei como são
os antipótteres ingleses, mas os de meu país, o Brasil, ainda que encontrem
adesão, não têm tanta influência: neste país, desde cedo ouvimos falar da Cuca
e de macumba. Quanto às acusações de fancaria literária, estas partem
justamente dos que não leem suas histórias. O estilo de sua mãe pode
agradar aos mais diversos gostos: é preciso apenas enxergá-lo. O estilo
artístico — e não o estilo no sentido amplo da palavra — é o que se consegue
pela estilística, “o conjunto de regras pela obediência das quais se obtém o
estilo” (Diógenes Magalhães, Redação com base na linguística (e não na
gramática), pág. 55), e ele está presente em suas histórias. Do ponto
de vista da linguística, sua mãe só “errou” ao usar o pronome you
indevidamente. Lemos, no início da edição britânica do seu primeiro
livro, o seguinte: “They were the last people you'd expected to be
involved in anything strange or mysterious, because they just didn't hold with
such nonsense.” Não sei
como os outros tradutores verteram esta frase, mas na tradução brasileira,
feita por Lia Wyler — mulher pela qual tenho profunda admiração — o pronome você
(que se traduz em inglês por you) não aparece: “Eram as últimas pessoas
que se esperaria que se envolvessem em alguma coisa estranha ou misteriosa,
porque simplesmente não compactuavam com esse tipo de bobagem.” (Faço
aqui a retroversão, que para você será mera paráfrase: “They were the last
people someone had expected to be involved in anything strange or
mysterious, because they just didn't hold with such nonsense.”) Por mais onisciente que seja o narrador,
não pode ele dizer o que um leitor específico esperaria. Podemos
raciocinar assim: Se uma mulher me falasse:
— Quando você
dá à luz, sente muita dor.
Eu poderia muito
bem responder:
— Eu não!
Não sou mulher!
Agora: se ela
falasse:
— Quando a
mulher dá à luz, sente muita dor.
Eu responderia:
— Quando o parto é
por vias normais, sim.
(Não sei que meios
têm os bruxos para fazer o parto de bebês, porque não sei o quanto a medicina
de vocês avançou, mas as mulheres trouxas ainda sofrem um pouco quando
escolhem não ter a barriga cortada, embora haja anestesia local.)
Há outro exemplo
do mau uso do pronome you, que se encontra na página 98 da edição
britânica do primeiro livro, mas o que aí fica basta. Entretanto, essa
linguagem não estraga o registro de sua história, pois está repleto de
construções sofisticadas (ainda que existam exemplos do mau uso do
gerúndio). Devo dizer, porém, que fico feliz pelo fato de a tradutora Lia
Wyler, apesar de fiel, não ter sido servil (afinal, o que se traduz é a ideia,
e não a palavra): ela não usou o pronome você de maneira
inadequada. Por outro lado, na versão dela se lê CAPÍTULO UM, mesmo que o
ideal seja CAPÍTULO PRIMEIRO, e também se lê “os Potter”, “os Weasley”, “os
Malfoy”: Deveriam ser usados os numerais ordinais, e os sobrenomes deveriam
ficar no plural; assim: os PóttereS, os WeasleyS, os MalfoyS.
(Isto é culpa dos jornalistas brasileiros, que pensam que sobrenomes não têm
plural, e espalharam a moda de usá-los sempre no singular.) Talvez seja
difícil entender, já que sua língua materna é o inglês, mas ninguém aí, na
Grã-Bretanha, diz: “the Potter”, quando se refere a todos os integrantes
de sua família: todos dizem: “the PotterS”. Nesse país, ao que me parece,
todos podem ler: CHAPTER ONE, em seus livros, mas aqui muito melhor seria se se
lesse: CAPÍTULO PRIMEIRO, que equivale a FIRST CHAPTER. Mas o pior de
tudo é saber que até ao momento em que isto escrevo os erros de tradução, como
o que está presente na página 259 da edição brasileira do sétimo livro, em que
se lê a palavra dementadores (dementors) no lugar da expressão Comensais
da Morte (Death Eaters), não foram corrigidos, já que não recebem
atenção da editora e dos revisores brasileiros, cuja incompetência só não
supera o espírito de porco.
Sabemos que não
foi fácil traduzir você. Lia Wyler bem disse que trabalhou na mais negra
escuridão enquanto transladava a narração de sua história: não saber dos fatos
com antecedência deve ter sido um obstáculo que ela nunca havia enfrentado por
tanto tempo, posto que sua história foi publicada no Brasil aos poucos durante
quase uma década (como aconteceu em outros países). (Imagino que os
vertedores lusitanos tenham enfrentado os mesmos problemas, pois isso aconteceu
com todos os seus tradutores, mas gostaria de que ficasse bem claro que os
leitores lusitanos podem apreciar a tradução brasileira de Harry Potter, e
vice-versa: a língua falada e escrita no Brasil é a mesma falada e escrita em
Portugal. Afinal, não existe dicionário de Português Brasileiro—Português
Lusitano, assim como não existe dicionário de Inglês Britânico—Inglês
Norte-americano. Muito embora nenhum dos países a que me refiro seja um
todo linguístico (nenhum lugar é), a língua é a mesma no Brasil e em Portugal:
há apenas preferências na escolha de palavras, pois o vocabulário ativo (o que
usamos ao falar ou ao escrever), o passivo (o que não usamos, mas reconhecemos)
e o ignoto (o que não conhecemos) sofre variação de pessoa para pessoa e de
região para região. (Isto é o que afirma o já citado professor Diógenes
Magalhães, em Redação com base na linguística (e não na gramática).)
O que é diferente, portanto, não é a língua, e sim a maneira de
usá-la. Se alguém lhe disser que no Brasil se fala “brasileiro”, você
fará muito bem se azarar esse alguém, ou se então perguntar como se conta de um
a cem nessa língua imaginária.) Entretanto, o maior inimigo de Lia Wyler,
a meu ver, foi a pressa e a ganância desmedidas dos empresários, que não se
preocupam com a arte de traduzir nem com a arte de contar histórias.
Contudo, graças a ela, posso dizer que seus livros são cheios de descrições de
cenários fantásticos e de situações extraordinárias, e também são repletos de
cartas, avisos, letras de canções, neologismos e diálogos entre inferiores e
superiores hierárquicos. Se tudo isto é fancaria literária, muitos outros
livros consagrados como clássicos também são.
Apesar de haver uma chance de sua mãe nunca fazer parte do grupo de “autores de
nomeada”, ela tem muito talento. Leiamos um trecho do seu quarto livro:
“A polícia nunca
vira um laudo mais esquisito. Uma equipe de legistas examinara os corpos
e concluíra que nenhum dos Riddle[s] fora baleado, envenenado,
esfaqueado, estrangulado, sufocado ou, pelo que sabiam, sofrera qualquer tipo
de violência. Com efeito, continuava o laudo, em tom de inconfundível
perplexidade, os Riddle[s], tirando o fato de que estavam mortos,
pareciam gozar de perfeita saúde. Os legistas observaram (como se
estivessem decididos a encontrar alguma coisa errada nos cadáveres) que cada
membro da família tinha uma expressão de terror no rosto — mas, segundo
afirmava a frustrada polícia, quem já ouvira falar de alguém morrer de pavor?”
Agora, leiamos um
trecho de Helena, de Machado de Assis, o maior escritor que o Brasil já teve:
“O conselheiro
Vale morreu às 7 horas da noite de 25 de abril de 1850. Morreu de
apoplexia fulminante, pouco depois de cochilar a sesta, — segundo costumava
dizer, — e quando se preparava a ir jogar a usual partida de voltarete em casa
de um desembargador, seu amigo. O doutor Camargo, chamado à pressa, nem
chegou a tempo de empregar os recursos da ciência; o padre Melchior não pôde
dar-lhe as consolações da religião: a morte fora instantânea.”
Nos dois trechos é
possível encontrar o humor com que sua mãe e Machado de Assis tratam a questão
da morte. Ao lermos: “...tirando o fato de estarem mortos, pareciam gozar
de perfeita saúde”, e ao lermos: “...nem chegou a tempo de empregar os recursos
da ciência”, notamos a maneira finamente humorada e afiadamente irônica de dois
literatos de descrever a morte. Fica claro que esta é inevitável, quer se morra
de apoplexia, como o conselheiro Vale, quer se morra vítima da maldição da
morte, como a família Riddle. Ainda que possamos apontar a causa da morte
inesperada de alguém, como a do conselheiro Vale, não podemos, paradoxalmente,
mesmo com “os recursos da ciência” (ou, no seu caso, Harry, com os recursos da
magia) explicar nem evitar a morte. (Dumbledore bem sabe disso, pois foi
ele quem nos contou.) Os médicos trouxas, de modo pedantesco, usam
a expressão falência múltipla dos órgãos (mesmo quando se morre de morte
natural), e os delegados de polícia usam a expressão ir a óbito, e no
entanto são incapazes de dizer por que morremos e por que o coração bate e o
cérebro funciona, ou seja: por que vivemos (como bem observou o pensador e
dublador Nelson Machado, cuja voz é muito conhecida dos trouxas
brasileiros).
Poderia eu apontar
outras semelhanças de conteúdo e estilo, como os recursos folhetinescos que sua
mãe e Machado de Assis empregaram, ou as semelhanças iniciais que existem entre
D. Úrsula, personagem de Helena, e tia Petúnia. Talvez eu tenha decidido,
arbitrariamente, enxergar tais semelhanças, mas não creio que elas sejam um
sofisma que eu tenha criado e nele caído como os tolos que acreditam nas
próprias mentiras por força de repetição: sei muito bem que estou no terreno da
teoria. Entrementes, o conteúdo chama mais atenção do que o estilo.
Quando não o acusam de bruxaria, alegam que você, Harry, mostra às crianças
coisas horrendas, que podem arrancar a preciosa flor de sua inocência, das
quais a morte é, segundo os que o condenam, a pior. “A morte, não o sexo,
é agora o tabu que violamos — a ‘pornografia da morte’ causa-nos excitação.”
(José Luiz de Sousa Maranhão, O que é morte, pág. 10, citado por Maria
L. de A. Aranha e Maria H. P. Martins, em Filosofando: Introdução à
Filosofia, pág. 370.) “Escondemos a morte das crianças: esse não é
mais um tema de conversa entre pais e filhos, elas não mais participam de
velórios e funerais, evitamos que assistam a filmes ou ouçam histórias que
trazem a ideia de morte à tona.” (Rosely Sayão.)
Acho, contudo, que
você está mudando essa forma de pensar. O seu legado, porém, reside na
leitura. Como eu disse, esta foi sua maior magia: fazer uma geração
gostar de ler. E como poderia ser diferente? Com uma história
repleta de mistérios, intrigas, alusões ao preconceito racial e social (trouxas
e bruxos, Dursleys e Malfoys) e artimanhas políticas do Ministério da Magia
somados aos seres fantásticos, lugares incríveis e personagens
verossimilhantes, seria surpreendente se milhões de pessoas não o adorassem.
Não posso dizer
que os brasileiros gostam mais de você do que os britânicos, mas acho que aqui
sua repercussão foi mais benéfica, porque aí desde cedo as crianças (trouxas
e bruxas) leem e, segundo as minhas fontes, estudam latim, o que não acontece
aqui. O Ministério da Educação do Brasil é tão burro e mesquinho quanto o
Ministério da Magia foi em 1995 (ano em que acontecem os fatos narrados em seu
quinto livro). O prazer da leitura inexiste nas salas de aula
brasileiras, e o mecanismo da escrita não é bem trabalhado, pois estudamos uma
gramática que não serve para quase nada. Lamentavelmente, os professores
de língua (e os de outras disciplinas estudadas pelos trouxas) se
acomodaram: fizeram exatamente o que Dumbledore disse para não fazermos:
escolher o caminho mais fácil. A maioria dos professores de Língua
Portuguesa sonha fazer parte de uma classe média que passeia nos shoppings,
dirige um carro e leva à família ao zoológico (como os Dursleys). Não têm
paixão, nem a capacidade de inovar, nem de devanear nas aulas. Consagram
ora a alteração, ora a manutenção do status quo: zelam pela mediocridade
e pela mediocracia. Estamos vendo, todavia, que seus leitores cresceram,
e muitos deles serão professores. Muito diferentes, portanto, serão os
futuros professores brasileiros de Português: “uma geração de valor mais alto
se alevanta.”
Os rapazes, sejam
eles imberbes ou barbudos, e as moças que cresceram acompanhando-o durante
estes últimos anos estão se sentindo um pouco tristes, pois este mês é o da
estreia de seu último filme: o clima de despedida de 2007, ano do lançamento de
seu último livro, invade o coração de todos como a frialdade dos dementadores,
e é repelido pela certeza do seu legado, que, como um patrono, é fruto de
pensamentos felizes. Muitos ainda irão a eventos (tal como acontecia nos
lançamentos de livros e filmes de Harry Potter), vestidos como estudantes de
Hogwarts (ou mesmo como dementadores, ou Comensais da Morte) ou
simplesmente com camisas em que se leia: “Severo... por favor...”. Termos
e expressões como expeliarmus, wingardium leviosa, Grifinória (Gryffindor),
Sonserina (Slytherin), Corvinal (Ravenclaw), Lufa-Lufa
(Hufflepuff) e Quadribol (Quidditch) entraram para o
vocabulário de seus admiradores (vocabulário esse que se ampliou bastante por
sua causa) acompanhados por outras palavras que não são neologismos. Cabe
a pergunta: Quem precisa de bruxaria, se existe tanta imaginação?
Você não lança
ninguém ao mundo da bruxaria: lança ao mundo da leitura e da imaginação.
Eis tudo o que eu
queria dizer. Obrigado, Harry.
Recado de seu
admirador trouxa,
Márcio Alessandro de Oliveira.
P.S.:
Dê meus parabéns a Hermione pela excelente tradução de Os Contos de Beddle,
o bardo: graças a ela agora sei que os contos de fada foram alterados para
se enquadrarem na ideologia dos tempos posteriores ao seu fazimento.
P.P.S.:
Gostaria de que sua mãe fosse mais cuidadosa ao apoiar instituições de
caridade: a mão que dá é a mão que toma.
***
APÊNDICE
Não é muito fácil usar a palavra se: Às vezes, é conjunção condicional; também pode ser pronome apassivador, ou pronome que indique a voz reflexiva; pode ser pronome pessoal; e há casos em que é índice de indeterminação do sujeito (em muitos desses casos, está ligada ao verbo por hífen, de modo que é conhecida como partícula se). No caso da tradução brasileira do primeiro parágrafo de Harry Potter and the Philosopher's Stone, a palavra se indica uma terceira pessoa — como se fosse índice de indeterminação do sujeito: foi posta no lugar do vocábulo você, que, no contexto, seria uma imitação servil do you — e servil a tradução de Lia Wyler não é, conquanto seja fiel (como já ficou dito). O que se lê é: "Eram as últimas pessoas
que se esperaria que se envolvessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, etc." Contudo, talvez não seja correto nem adequado o uso da palavra se. Uma vez que ela indica a indeterminação do sujeito quando o verbo é transitivo indireto (não-direto), ou quando é intransitivo (não-transitivo), não deve ser usada com um verbo transitivo direto, pois o sujeito não está sofrendo a ação. Veja-se esta comparação: "Precisa-se de pedreiros", ou seja: "Alguém precisa de pedreiros"; precisar é verbo transitivo indireto, porque quem precisa precisa de algo ou de alguém; é exigida a preposição de: com ela o verbo transfere a ação indiretamente. Agora, um exemplo com verbo intransitivo: "Morre-se em todos os tempos"; morrer é verbo intransitivo: não transfere a ação: ela é um fim em si mesma. (O verbo também é pronominal, pois todo verbo ligado a um pronome por hífen o é.) (A preposição em não indica transitividade do verbo: é apenas parte de uma locução adverbial de tempo, ou seja: de uma expressão que tem valor de advérbio de tempo. É possível desprezá-la; logo, pode-se ler isto: "Morre-se".) Nos dois casos o se indica um sujeito indeterminado. Basta saber a classificação sintática do verbo (se transitivo indireto ou intransitivo). A voz verbal já não é importante. Em outras palavras, não é de mister saber se o sujeito é agente (o que pratica a ação; voz ativa), paciente (o que sofre a ação; voz passiva, que pode ser sintética ou analítica) ou reflexivo (o que sofre e pratica a ação ao mesmo tempo, como na frase: "Ela se ama"; voz reflexiva). Só é imprescindível ter em mente a voz verbal (além do tipo de verbo) quando o se está ao lado de um verbo transitivo direto, como neste exemplo: "Esperam-se notícias" (voz passiva sintética, ou pronominal), isto é: "São esperadas notícias" (voz passiva analítica). Quem espera espera algo ou alguém: a ação é transferida sem preposição. O sujeito (notícias) sofre a ação de ser esperado: a voz é passiva: a palavra se é pronome apassivador.
Ora, esperaria é forma verbal de esperar, que é verbo transitivo direto, e não indireto. Portanto, muito melhor seria ler isto: "Eram as últimas pessoas que alguém esperaria ver envolvidas em alguma coisa estranha ou misteriosa, etc."
(Há casos em que esperar é verbo transitivo indireto, como na oração: "Esperarei por você", mas não é esse o caso de nenhum dos parágrafos anteriores, nem mesmo daquele em que se lê o trecho vertido por Lia Wyler.)
Ora, esperaria é forma verbal de esperar, que é verbo transitivo direto, e não indireto. Portanto, muito melhor seria ler isto: "Eram as últimas pessoas que alguém esperaria ver envolvidas em alguma coisa estranha ou misteriosa, etc."
(Há casos em que esperar é verbo transitivo indireto, como na oração: "Esperarei por você", mas não é esse o caso de nenhum dos parágrafos anteriores, nem mesmo daquele em que se lê o trecho vertido por Lia Wyler.)
Não é este um comentário gramatiqueiro: é só uma observação feita a título de curiosidade (observação esta que não pôde ser feita na Mensagem por causa da falta de espaço). Não há intenção de reclamar de forma rabugenta. Podem as questões de gramática não ser imprescindíveis, mas são importantes.
Duque de Caxias (RJ), 11 de novembro de 2012.