sábado, 18 de agosto de 2012

PÓS-MORTE SURREALISTA

       Às vezes fico a pensar: “Que será de mim quando eu morrer? Que acontecerá comigo? Para onde irei?”
       Este corpo deixará de ser o que é: transformar-se-á em matéria desorganizada: será inevitável a decomposição.  Até aí, nenhuma novidade.  E depois? Minha alma irá para algum lugar? Se sim, como irá para onde for sem matéria que a abrigue?
       Supondo que a morte dará fim à dor da vida (eis um bom título para uma telenovela!), e supondo que minha alma precise de um “abrigo”, acho que, depois de enterrado, virarei mato. Esse mato será abocanhado, mastigado, engolido e digerido por uma vaca (embora aquele animal não seja criado em cemitério). Então, ele, isto é: eu, será expelido por vias normais em forma gasosa — o que não será bom para o meio ambiente, segundo algumas pessoas.
       Em forma de gás, chegaria às alturas, até à atmosfera, onde reteria os raios solares. Diante do Ozônio, diria:
       — Eu sou o Metano, e você, um fraco. Não pode impedir que os raios do sol entrem em enorme quantidade. Irei retê-los, e assim farei um enorme estrago no planeta para me vingar da sociedade, que me obrigou a trabalhar e a sofrer.
       Com essa atitude, ficaria a flutuar.

                                                   (Duque de Caxias, 25 de junho de 2012; 26 de dezembro de 2013.)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012


SARDAS E ESPINHOS

(Adaptação
— feita com base em traduções amadoras de Sobakasu (Sardas), música de abertura de Samurai X, executada pela banda japonesa Judy and Mary; a letra original deve ser da cantora Yuki Isoya.)
O conto de fada acabou logo que você cravou
Um enorme espinho no amor, que está num túmulo.
Minhas lembranças não querem diluir:
São como as sardas: não me saem da cabeça.
Um bom tempo já se passou; e aquela noite ficou;
E muitas vezes ainda fico a refletir...
...  Assim que você falou, silêncio suspenso no ar.

Não pôde o horóscopo prever que iríamos nos separar (né?).
Mas, se previsse, não iria crer.

Não posso arrancar todo o enorme espinho do peito.
Só me restaram lágrimas p’ra eu me afogar.
Na memória, você lamenta aquela noite.
Mas, então, por que será que, enquanto o meu coração sangrava, você sequer chorou?

O fato é que você é tão certinho, e eu, tão brava.

Mas é assim que eu sou; isso está na cara.
Já te fiz rir. Ah!, quem me dera voltar no tempo p'ra ver
Você ficar bem feliz — e sorrindo — só de me olhar (!).

Lembro bem quando quis botar um piercing em si só p'ra me impressionar.  (Aaah!)
Jamais pude rir do episódio...  (Ódio...)

O espelho mostrou sardas de um rosto abatido:

Estas, as quais eu queria nunca mais ver.
De nós dois só um chorou com o triste desfecho.
Em todas as manhãs, não me incomodam as sardas: só saber que acabou.

Não posso arrancar todo o enorme espinho do peito.
Só me restaram lágrimas p’ra eu me afogar.
Na memória, você lamenta aquela noite.
Mas, então, por que será que, enquanto o meu coração sangrava, você sequer chorou?
(Na noite em que tudo acabou).


(Lá, lá, lá, lá, lá, lá...)
Então, por que será?
                                                      (Duque de Caxias, junho de 2012.)


               

                       

A PIZZA DA NÃO-MORTE

       Terça-feira passada, fui ao Caxias Shopping (detesto esse nome!), onde comi, sozinho, uma pizza de mozarela, que era grande — grande o bastante para alimentar duas ou três pessoas. Lembrei-me das artérias antes da comilança, mas a fome era mais forte.
       Depois de comer, pensei: “Que feito! Fui capaz de comer uma pizza grande sozinho!”  Tomei-me de orgulho. Mas, em seguida, achei que eu poderia ter morrido de indigestão. Eu desafiara a morte! Mais um motivo de orgulho! Saí da praça de alimentação alegre, rindo como um bêbado. Morto por uma pizza?! (Leia-se: Morto por causa de uma pizza?!) Seria uma morte hilária. Algum jornal publicaria o fato? Imagine-se a seguinte manchete: “Morre um jovem depois de comer pizza de X gramas”. (Aqui uma informação que não dei linhas acima por causa do fluxo da narrativa, que é mais psicológico do que cronológico: Antes de sair da praça de alimentação, perguntei à garçonete quantos gramas tinha a pizza. Ela não sabia (e ainda não deve saber); e eu também não sei.)
       Pensei, enquanto caminhava pelo shopping para ajudar a digestão, o quão mesquinha fora a atitude. Acontece que a felicidade humana é fruto da mesquinharia, e eu, mísero e mesquinho, não fujo à regra. É como diz Brás Cubas: Se apertarmos as botas, e passarmos muito tempo calçando-as, bastará descalçá-las para que venha a felicidade. Em vez de apertar as botas, comi uma pizza.
       Eis aí, leitor, um episódio “edificante” (as aspas dão tom irônico à palavra). (Por que faço questão de dizer que as aspas dão tom irônico? Porque as pessoas não sabem: elas não estudam, de modo que é preciso explicar tudo, ou, então, apenas certas coisas.) Naturalmente, nenhum dos macacos que andam e falam poderiam passar por uma experiência “filosófica” tão “sublime”: estavam ocupados com gastar dinheiro.
       — Por que não convidou um amigo? (perguntará o leitor).
       — Porque, como ficou dito, sou mesquinho. Além disso, a ideia de comer a pizza surgiu repentinamente e apoderou-se de mim. No zoológico (leia-se: no shopping) eu estava sozinho: eu havia ido lá por ir. E não tenho telefone portátil.
       — Eu pesaria alguns quilos a mais se fizesse o que fez (dirá a leitora).
       — Entenda uma coisa, minha cara: quilograma não é peso: quilograma é massa. Mas, não, não engordei: continuo com pouco mais de 62 quilogramas, e meu corpo continua com a magreza de dar inveja às mulheres.
       Da próxima vez, comerei um bolo.

                                                               (Duque de Caxias, 22 de junho de 2012.)


MENSAGEM À MENINA QUE FAZ CURSO TÉCNICO DE QUÍMICA

Vou à sua casa, sempre te querendo;
Quase não te vejo, porque passas muito tempo no IFRJ.
Contudo, sou como água, enquanto tu és oleosa.
Para ti não sou tão bom elemento.

Não misturamos líquidos:
Somos heterogêneos.
Nem me vês como alguém de gênio.

Devo é ser insípido.

Com esta paixão atômica,
Falo, falo e não digo nada que te conquiste:
Minha figura é meio cômica.

Que queres tão só estudar é o que dizes,
Mas por seres filha de Deus, já que sonhas,
Não deves é aceitar-me: "sou filho do carbono" sublime.

                                                                       Duque de Caxias, 13 de dezembro de 2011.
 
UMA LEMBRANÇA DO ENSINO MÉDIO
 
       Em 2006, estava eu no auditório da escola técnica de ensino médio, em Jardim América, no município do Rio, quando estava sendo feita uma explicação dos motivos pelos quais se tornava obrigatório o ensino de história e cultura da África nas escolas.
       Dizia uma palestrante (que fazia parte de um grupo de quatro mulheres):
       — A mitologia grega é ensinada nas escolas; e eu mesma gosto fazer analogias: gosto de comparar a mitologia africana com a grega. Muitos conhecem as personagens da mitologia grega, mas quase ninguém sabe o nome das da mitologia africana, porque ensinam uma, mas não ensinam a outra.
       A mulher então fez uma pergunta à plateia:
       — Alguém pode citar um nome da mitologia grega?
       Silêncio:
       Gritou uma menina:
       — XENA!
       Pobre palestrante!
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 













 
A CHEGADA DE EVA

       Vivia Adão tranquilamente no Jardim do Éden. Tinha por companhia uma vaca chamada Fifi, de cujas tetas tirava delicioso leite; e era muito feliz por a ter.
       Um dia, porém, Deus resolveu lhe dar uma criatura chamada Eva, que até aquele momento só o próprio Criador conhecia. Disse Ele:
       — Toma essa mulher para ti, Adão; faz com que ela seja feliz, para que não me perturbe mais.
       — Por quê? (perguntou Adão).
       — Não faças perguntas (disse Deus): sabes que não gosto. E prepara-te, que ela é exigente. Se perguntarem, diz que a fiz de tua costela: será melhor assim.
       Adão achava estranha a recomendação, pois, com exceção de uma gente muito estranha que morava ali do outro lado da cerca, não havia curiosos com quem pudesse conversar sobre Eva — pelo menos não no mesmo idioma.  Falavam os vizinhos uma língua desconhecida e cobriam o corpo com panos.
       Foram-se passando os dias, durante os quais começou a se perguntar por que fora castigado com a companhia de Eva, que não gostava da vaca, cujos gases eram, para o dono, o perfume dos perfumes, e cujas fezes eram o melhor dos colchões. Ela implicava com o animal, e gostava de dar ordens. Entretanto, Eva começara a ensinar a deliciosa arte de copular, coisa em que ela era um pouco melhor do que o bicho; por isso, embora a detestase, teve Adão de admitir que tinha alguns encantos.
       Um dia Eva falou:
       — Quero que a vaca vá embora.
       — Nunca!
       Discutiram.
       Deus, depois de fazer Adão dormir, pôs a vaca em outro lugar. Quando notou a ausência do bicho, Adão ficou desesperado:
       — Deus: Onde está a Fifi?
       — Dei aos hindus.
       Adão viu os vizinhos. Tentavam fazê-la cruzar com um elefante. Parecia muito difícil.
       — Fifi! (gritou Adão).
       Ele então foi ao vinhedo; depois, carregando uvas, ofereceu-as em troca da vaca (fez isso gesticulando e apontando, porque não sabia a língua dos hindus). Recusaram.
       Para acabar com aquilo, Eva comeu do fruto proibido, que lhe deu a capacidade de dar leite e de sangrar todos os meses de maneira quase regular. Quando isso acontecesse, ela ficaria mal-humorada e daria ordens.
       Então Adão e Eva foram expulsos do Éden. Tempos depois, encontraram vacas ordinárias, que criaram com gosto, embora Eva já fosse a vaca das vacas.
 
                                                                                                (Duque de Caxias, 2012.)

A SITUAÇÃO POLÍTICA DE DUQUE DE CAXIAS

(Crônica-historieta.)

(Texto inspirado numa reconstituição de o Auto da Feira, de Gil Vicente.)

       Estava um vendedor de mentiras numa feira de Duque de Caxias, quando chegou o Zé-Povinho.
       — Mentiras, mentiras; quem quer mentiras? (gritava o vendedor).  Mentiras para todas as ocasiões: para enganar a mulher, para enganar o marido, para os eventos sociais, quem as quer?
       — Tem cesta de comida? (perguntou o Zé-Povinho).
       — Não (respondeu o vendedor): tenho mentiras.  Quer comprar uma?
       — Não: quero cesta de comida; mas, se você não tem, digo que um vale-transporte já é o bastante.
       — Também não tenho isso (disse o vendedor, já meio irritado); tenho mentiras para todas as ocasiões.  Mentiras para não ir ao trabalho é o que não falta: dor de dente, dor de dedo, dor na coluna, tudo isso com atestado médico.
       — Tem cachaça?
       — Não!  Tenho mentiras.  Posso vender-lhe um livro cheio delas.
       — Um livro?  Não quero isso, não!
       — Escute (disse o vendedor): se não quer comprar mentiras, vá rodando.
       — Mas você não tem nem um cigarro para eu fumar ou um disco de samba que eu possa ouvir para brincar no Carnaval?  Eu gostaria muito de...
       — Olhe quem vem lá!  (interrompeu o vendedor).  Veja se não são meus mais prezados fregueses: o prefeito Chito, Uósto e seus aliados!
       Obsequioso, o vendedor logo se pôs a cumprimentar os fregueses, que escorraçaram o Zé-Povinho a pontapés na região glútea.
       Após uma calorosa conversa, Chito e os outros compraram muitas mentiras; depois passaram pelo Zé-Povinho, a quem se dirigiram nos termos seguintes:
       — Tome, desgraçado (e jogaram várias cestas de comida).  E lembre-se (mostraram as mentiras que compraram): Deve votar, porque vamos investir em Saúde e em Educação, construir estradas, diminuir o preço da passagem de ônibus...
       Que fez o Zé-Povinho?  Lambeu-lhes as botas.
 
                                                                            (Duque de Caxias, fevereiro de 2012.)


                                                                 




A AUDIÊNCIA DAS ENCHENTES

(Crônica.)
 
       Que as chuvas de verão são de agonizar, coisa é que já sabemos muito bem.  Em 30 de novembro, foi feita uma assembleia na câmara de vereadores de Duque de Caxias, para discutir o assunto.  A iniciativa foi de um dos “candidatos” a prefeito, o presidente da câmara, que, para preservar a saúde (já que fora submetido a uma cirurgia), não ficou até ao fim.
       A assembleia serviu de arena: muitos foram os momentos de ataque e defesa do prefeito.  Lembraram-se de dizer muitas coisas, das quais a maioria não tinha nada que ver com os meios de prevenir e amenizar os efeitos das inundações, embora tivessem feito questão de dizer que a represa de Xerém não romperia por causa das chuvas.  Este vereador citou as obras do prefeito (leia-se: da prefeitura), aquele o atacou ferozmente, e um terceiro defendeu-o com toda a veemência.  Não é de surpreender, todavia, que se fizessem ataques e defesas: a câmara existe para isso.  É melhor que haja as duas coisas do que apenas uma delas. Afinal, fazem parte da “democracia” (leia-se: sistema político em que a minoria manipula a maioria) o apoio e a oposição.  Mas deveria haver limites.
       E que fizeram os “indignados” da oposição na câmara?  Desperdiçaram tempo com ninharias: disseram, por exemplo, que Zito estava indo às escolas, onde estava “dando” brinquedos às crianças.  Ora, isso já era esperado.  Nunca dos nuncas um prefeito deixou de fazer sua brilhatura perto das eleições.  Por que haveria de ser diferente agora?  (Contudo, se ele distribuísse doces, os dentistas, sim, teriam razão em criticá-lo.)
       Obviamente pesa o fato de a prefeitura estar endividada: os “indignados” não deixaram de mencioná-lo.  As contas, estas se acumulam: já até foi cortada a força elétrica da sede da prefeitura.  Mas os “indignados” não fizeram questão de diminuir as despesas da câmara, que são muitas.  Quanto às contas, fico a pensar: “Como pode nosso município estar tão endividado, se é um dos mais ricos do país?  Como é possível que gaste mais do que recebe?  Será culpa de Zito?  Será culpa do azar (um conjunto de circunstâncias indesejáveis)?  Ou será algum tipo de calote do ex-prefeito, que teria adiantado o dinheiro de impostos, que as empresas de petróleo pagam por danos ambientais?”  Isso deve ser averiguado, porque não só tem muito que ver com as enchentes, como também com o rumo que a cidade tomará nos próximos anos.  (Estou disposto a acreditar nisso: parece lógico: prejudicou Zito; e Washington poderá beneficiar-se com a crise.  Mas não afirmo nada: falo de oitiva.)  Como serão feitas obras de prevenção  de enchentes, se não houver dinheiro?  E como saber em quem votar, se todos lançam meias verdades para agredir o prefeito?  Isso nenhum vereador “indignado” fez questão de dizer.  (O único vereador de oposição sério é o Nivan; do restante desconfio muito.)
       (Farei aqui uma observação.  Como cronista, devo ser testemunha do meu tempo.  Mas é possível ser testemunha imparcial?  A crônica é um texto muito subjetivo (do sujeito), de modo que é impossível não defender este ou aquele.  Portanto, por uma questão de honestidade, digo aos leitores que apoio o prefeito Zito.  Não pensem, porém, que farei vista grossa aos erros do seu governo.  Mas não acho que seus adversários possam ser bons prefeitos.  Fariam mudanças mais aparentes do que reais, como novas cores nos postes e nos meios-fios, novos uniformes escolares, etc.  Há quem pense que nos últimos 14 anos as mesmas pessoas têm governado Caxias, mas isso não impede que se troquem farpas.)
       A câmara foi lugar de ideias muito desanimadoras: naquela casa se mostrou o fatalismo.  Disseram algumas autoridades que estamos na Baixada Fluminense, abaixo do nível do mar, portanto — o que quer dizer, como fizeram questão de lembrar (como se não soubéssemos!), que sempre haverá enchentes.
       Mas, se há anos sofremos, não é só por causa da natureza: é também por causa da burrice (ou do descaso).  Se é possível atenuar as consequências da chuva, por que durante tantos anos não se empregaram mais e mais esforços para isso?  Pois não é verdade que é possível amenizar os efeitos da natureza em países onde há terremotos?
       — É obrigação da prefeitura fazer obras que amenizem as inundações, assim como tantas outras coisas (disse um dos vereadores por todos os outros).  O que fazemos é cobrá-las.
       Mas houve quem foi além:
       — Dizem os senhores que não podem fazer obras (disse uma morada de Parada Morabi), mas, quando chegam as eleições, enfiam-se em qualquer buraco em busca de votos, e prometem obras!
       Era o caso de acrescentar:
       — Que tanta cobrança é essa?  Todos os anos ocorrem os mesmos problemas!
       Muito embora eu tenha dado, linhas acima, um conceito muito duro à palavra democracia, ouviu-se a voz dos cidadãos na câmara: foi como se o poder do povo se manifestasse acima da burocracia:
       — Por que não há combate à leptospirose depois das chuvas?
       — As obras nos rios, por que elas foram feitas na origem deles, e não onde deságuam?  O lixo delas veio para nós!
       — Onde estão as casas populares?
       Um discurso muito interessante foi o seguinte:
       — Nosso município poderia gastar 23 mil reais com cada habitante.  Onde está esse dinheiro?
       Seu autor também disse isto:
       — Em São Paulo, o habitante cuja casa é inundada em virtude de fortes chuvas não é obrigado a pagar impostos.  Deveria acontecer o mesmo aqui.
       (Havia uma pessoa humilde, que provocou risos ao falar: usou expressão de gíria, enquanto cometia erros gramaticais.  Mas, se os vereadores e as demais autoridades podiam cometer solecismos dos mais graves, enquanto empregavam siglas, porcentagens e expressões pedantescas e obscuras nos discursos de improviso, que mal havia em que alguém do povo usasse a única linguagem que conhecia?)
       O momento mais intrigante de todos foi o do discurso da vereadora Fátima Pereira, defensora do prefeito.  A plateia não compreendia.  Disse que o governo era transparente; depois, que isso se prova; e, por fim, pôs-se a fazer críticas e cobranças com inflexão de voz tal, que, se alguém entrasse no recinto no final de seu discurso, poderia muito bem pensar que ela é da oposição.
       O raciocínio mais intragável foi apresentado quando ela citou o nome de bairros em que supostamente se fazem obras.
       — Onde estão os seus habitantes?  (perguntou).  Não estão aqui, não vieram para reclamar nada.
       Obviamente ignorava (ou fingia ignorar) que muitos já tinham ido para casa (talvez porque tivessem de cozinhar para os filhos).  E a tarifa de ônibus alta e injusta?  Esta não podia impedir que fossem à câmara.  Parecia que a pobreza do povo era um delírio, e não um fato.  Não engulo o que disse.  (Entretanto, fez ela muito bem ao dizer, numa sessão mais recente, que os vereadores da oposição terão de engolir o prefeito: eles lambiam a mão dele, e agora a mordem porque querem tirar proveito da fraqueza dele.)
       Esperemos, contudo, que seja verdade que a represa de Xerém não romperá, e que os sensores climáticos do Instituto Estadual do Ambiente funcionem.
       Diante do que exponho, é difícil saber o que é pior: se as dívidas, ou se o fato de a audiência ter sido um ato quase nulo.  É mais fácil contar com a natureza do que com a maioria dos vereadores.  (Nem sequer foram à posse do presidente da Academia Duquecaxiense de Letras e Artes.  Não podem ser sérios.)
       Eu, que fui à audiência, lamento uma coisa: não ter levado um saquinho de pipoca.
 
 
                                                                       (Duque de Caxias, 21 de dezembro de 2011.)
 
 
APÊNDICE
 
       Às vezes, o que dizemos não corresponde àquilo que pensamos.  Assim como nossas lembranças não são a realidade passada em si, mas sim registros feitos em nossa memória, o que dizemos não é propriamente o que pensamos, mas sim a exteriorização do que temos em mente.  O que falamos e escrevemos são o retrato fiel do que pensamos, exceto quando mentimos, ou quando refletimos e manifestamos uma ideia no lugar de outra.  Assim, quando uma pessoa quer fazer uma crítica, pode pensar bastante e torná-la branda, de modo que o que sai da boca é só uma diminuta parte daquilo “de que está cheio o coração”.  Isso, de certa forma, anula a honestidade em nome da boa convivência.
       Quando pensamos muito, não somos sinceros (algo que pode ser condenável ou louvável, a depender da situação), ou simplesmente substituímos uma ideia por outra que consideramos melhor (essa atitude tende a ser digna de aprovação).  Isso vale tanto para quem fala, para quem se preocupa com o que pode “escapar da barreira dos dentes”, ou com o fato de que o peixe morre pela boca, como para quem escreve.  Entre os falantes, há quem prefira ficar calado (“o calar é de ouro, o falar é de prata”).  Quem se mantém em silêncio durante a maior parte do tempo é taciturno, mas também pode ser sensato.
       Entre os que escrevem (e também entre os que falam), há os que distorcem a realidade.  É o caso de jornalistas.  Há também os redatores que usam sua habilidade para elogiar ou para declarar apoio a alguém.  Fiz isso, mas fiz porque achava que conseguiria emprego.  Foi um erro dizer que prefiro ver um candidato eleito a ver outro.  Mentir na esperança de que alguém me daria emprego é algo de que me arrependo.
       Durante a elaboração da crônica intitulada A audiência das enchentes, eu não tinha nem um pouco de vontade de apoiar ninguém que se candidatasse ao cargo de prefeito deste desgraçado município.  A insignificante declaração de apoio foi um ato de hipocrisia.  E hoje (28/5/2013), o que realmente penso é isto: Os carroceiros devem cuidar das carroças, os feirantes devem trabalhar na feira e os médicos devem cuidar dos doentes (e dos modos de prevenir doenças).  O que nenhum deles deve fazer é se meter na política, a menos que algum deles se prepare convenientemente para ela e deixe de exercer a antiga profissão.  (Sabemos que isso é quase uma fantasia: um bom político é uma agulha no palheiro.)
       “Os hospitais são dirigidos por médicos; os departamentos jurídicos são entregues aos advogados; os laboratórios são orientados pelos químicos; a guerra é feita pelos militares; os navios são entregues aos marujos; os aviões, aos aviadores.”  (Diógenes Magalhães, Revolução com base na lógica (e não na metralhadora), pág. 51.)  “Mas quando se trata de governar um país, convida-se um aventureiro. As leis são escritas por indivíduos que não entendem absolutamente nada de legislação (...).”  (Idem, ibidem, pág. 51.)  (Agora já se sabe o motivo por que a Educação no Brasil não é levada a sério: Os políticos não são profissionais: não estudam para ser políticos.  Alguns são até semianalfabetos.  Desde que tenham fama e acatem as ordens dos partidos, que são verdadeiras facções, conseguirão entrar nas casas legislativas ou nas sedes do poder executivo.  Nas casas legislativas, a maioria dos legisladores não é formada por jurisconsultos.)
       Não é preciso ter preparo para governar Duque de Caxias: ao indivíduo que tiver dinheiro, ligação com um partido e sede de poder basta fazer campanha.
       A verdade é esta: Toda manifestação de apoio que fiz a um político foi hipocrisia, fingimento.  Além disso, quero que se implante no Brasil o sistema político de Diógenes Magalhães (um intelectual brasileiro pouco conhecido), que diz que são falhos todos os sistemas políticos que já foram implantados. Uma vez que são falhos, faz-se necessário implantar um novo.  “Vale a pena experimentar”. Mas como é esse sistema, do qual o estudioso trata em dois livros: Revolução com base na lógica (e não na metralhadora) e Reforma?
       É assim: Os políticos não são eleitos: não há a farsa das eleições, nem democracia, nem partidos políticos. Há escolas de Política, nas quais entram meninos (que devem usar uniforme especial), e das quais saem os que têm vocação para a Política, a qual exige sacerdócio. Nas escolas, os alunos estudarão: Português, Inglês, Francês, História Universal, História do Brasil, Geografia Geral (escola média); Ciência das Finanças, Economia Política, Administração, Liderança, Psicologia e Lógica, Ciências Sociais, Filosofia do Direito (escola superior). Com as escolas, haveria políticos competentes para cuidar do país, e não indivíduos despreparados que veem a Política como meio de enriquecer. Se tudo o mais é administrado por quem tem competência e formação escolar, por que com o país é diferente?
       Naturalmente, o sistema não será perfeito, mas pode ser adotado. Além disso, nele não há margem a que os políticos devam favores a cabos eleitorais e a facções políticas. Não há, pois, os defeitos do sistema atual. Há, sim, o reconhecimento do fato de que os homens gostam de mandar: não é ignorada a vaidade humana. Contudo, nas escolas, aprendem os políticos que devem se preocupar apenas com o povo.
       Não se recorre nem ao comunismo (uma doutrina funesta), nem ao socialismo, nem ao absolutismo. Não se defende a ditadura, e aceita-se o capitalismo.
       O motivo pelo qual a base do sistema não é a democracia está em que ela não existe, embora a farsa das eleições faça o povo pensar que ele escolhe os políticos que o “representam”. A democracia na Grécia, por exemplo, aceitava a escravização. Logo se vê que ela (a democracia) começou com a opressão. A palavra democracia, assim como o vocábulo partido, é desmoralizada. No caso de partido, é fácil saber que tirar partido é tirar PROVEITO. (“Tirou PARTIDO de mim”, diz uma canção popular.)
       Em época de eleição, o povo não escolhe ninguém. Mas os grupos econômicos, estes escolhem. Ademais, não há garantia de que será respeitada a vontade da maioria. Segundo Diógenes Magalhães, Salvador Allende, no Chile, foi eleito com 36% dos votos. Portanto, 64% dos eleitores não queriam que Allende fosse presidente. Nos E.U.A. houve casos parecidos. Mas de que adianta respeitar a vontade da maioria, se só é possível “eleger” candidatos impostos pelos partidos e pelos grupos econômicos?
       Por tudo quanto digo (com base nos livros de Diógenes Magalhães), é absurdo dizer que o povo é culpado pelas mazelas da sociedade.  Ele não escolhe nada nem ninguém, e mesmo se não fosse um analfabeto político, não escolheria.  O povo nunca é culpado: ele é sempre sacrificado.
       Como implantar o novo sistema? Quem fará isso? Minha resposta: Munida com os argumentos de Diógenes Magalhães, deverá uma elite de intelectuais lutar contra o sistema vigente. É isso o que tem de ser feito.
      


 
A TARIFA DE ÔNIBUS
(Crônica.)
       É este um tema repetido em toda a Baixada Fluminense.  O que mais fazemos — nós, caxienses — é ir ao trabalho de ônibus, de modo que, com exceção da notícia (que não deve nem pode conter opinião, pois aí deixaria de ser apenas notícia), todo escrito que se propuser a falar do assunto não terá outro destino senão o de ser um desabafo, que, em tese, de nada adiantará para alterar o quadro revoltante do transporte público do município.  E se vamos ao trabalho de ônibus, é impossível, para mim, cronista de quinta classe, alimentar o desejo de contar novidades.  Ora, só há notícia sobre o preço da passagem de ônibus porque as pessoas querem saber o valor; mas ter novidades — isso não querem, porque já estão fartas de saber que o preço mais sobe do que desce.  O único diferencial, portanto, é o valor, que, quer seja divulgado nos jornais, quer não, terá de ser pago.
       Os jornalistas (que criticam a todos, e não admitem que ninguém os critique *) não devem achar que seja tão meritório escrever uma notícia sobre tarifa de ônibus: só o fazem porque precisam de preencher o espaço das gazetas e dos telejornais.  É só por isso que o aumento da tarifa merece publicação.  (“Os americanos (...) dizem que, quando um cão morde uma pessoa, não temos uma boa notícia, pois esse fato é corriqueiro; agora: quando uma pessoa morde um cão — aí, sim: temos notícia, da boa.”  (Diógenes Magalhães, Redação com base na linguística (e não na gramática), pág. 179.))
       Tentemos, contudo, conversar sobre a tarifa.
       Quem mora no terceiro distrito, como eu, pergunta-se:
       — Que devo fazer? Esperar quatro eternidades na estação de trem (ou de comboio, para o leitor que vivia em Portugal) e pagar um preço injusto, ou esperar duas eras pelo ônibus e pagar ainda mais alto preço?
       Existe um conjunto de circunstâncias muito engenhoso para que as empresas de ônibus tenham os negócios funcionando muito bem.  Entre elas estão a urina acumulada por semanas nas estações ferroviárias, a demora do trem e o monopólio de itinerários.
       Pouquíssima é a atenção às estações de trem da cidade.  Como se não bastasse a falta de trens, não são limpas: há sempre a necessidade de prender a respiração nelas (e, no caso dos hipocondríacos, a necessidade de fazer assepsia).  (Isso, aqui, em Duque de Caxias.  Magé e Guapimirim, como todos nós sabemos, têm ainda pior sorte.)  Mas a empresa que administra as linhas de trem é que não está para isso.  Estamos a ver: em vez de crescer, limita-se ela a dar conta de uma demanda que prefere superlotar os trens a superlotar os ônibus.  Prefere?  Não, não prefere: a maioria das pessoas que vai a algum lugar de trem não o faz por preferência, e sim por economia (de dinheiro e até de tempo, posto que obviamente não há engarrafamento nas ferrovias).
       Deve ser maravilhoso para cada um dos donos de empresa de ônibus.  Posso vê-los sorrindo sadicamente, enquanto seguram uma taça de champanha, numa piscina que fique nalgum bairro “nobre”.
       Imaginemos uma conversa entre mim e eles:
       Eu: — Não lhes ocorre que talvez estejam prejudicando outros de sua classe?  Não acham que, aumentando o preço da passagem, estarão impedindo que as pessoas passeiem e gastem dinheiro?
       Eles: — Não: são altíssimos os impostos, e o preço da gasolina sobe, e não podemos nos prejudicar.  Além disso, abaixamos, em Imbariê, a passagem aos domingos; assim você e os de sua classe podem ir ao Caxias Shopping para experimentar um pouco da felicidade que o capitalismo oferece.  Achamos que seria um modo de fazer com que se calassem um pouquinho.
       Eu: — E nós?  É justo que sejamos prejudicados, mesmo sendo a maioria?
       Eles: — A vida é assim mesmo.
       Eu: — E o mercado de trabalho?  Como iremos trabalhar, se as empresas não quiserem pagar a passagem que os senhores nos impõem?
       Silêncio.
       Eu: — Respondam!  Estou esperando!
       Eles: — Rapaz: Não temos tempo para discutir com crianças de sua idade: temos de contar os lucros; por isso, vá rodando.
       Eu: — Ah!, sei que têm de contar os lucros; certamente já chegaram à estratosfera!  Alguns dos senhores pagam ao motorista o salário de apenas um funcionário, mesmo que ele tenha de fazer o serviço de cobrador também.  Pouco lhes importa que ele tenha de dirigir e contar o troco ao mesmo tempo; pouco lhes importa que, ao fazer isso, coloque em risco a vida de pedestres e ciclistas, porque nenhum destes é seu filho.
       Eles: — São tempos de crise.
       Eu: — Crise?  Os senhores estão lucrando!  Acabaram de dizer isso!
       Eles: — E o que sabe você de economia?
       Eu: — O que aprendi na escola, à qual não queriam que eu fosse, posto que muitas vezes me foi negado o direito de entrar no ônibus só porque eu estudava em escola pública.
       Eles: — É lógico: você não pagava a passagem.
       Eu: — Quanto cinismo!  E não me negavam só o acesso à escola: negavam-me o acesso à biblioteca do meu e de outros distritos também!  Logo o acesso à biblioteca, onde posso ler, que é mais importante que estudar!
       Eles: — Por que você quer ler?  E para quê?  Esqueça essas coisas: você tem de trabalhar como assalariado obediente.  Tire carteira de motorista, e deixe currículo numa empresa de ônibus.
       Eu: — Prefiro passar fome.
       Eles: — Indolente!  Você tem de produzir!  E o nosso bem-estar?  É o trabalho que o garante!
       Seria impossível continuar.  Eles só chegam a um consenso entre si para que um não tire o monopólio de itinerário do outro (como ficará dito mais adiante).
       Aí está: aos empresários interessam tão só as queixas que fazem uns aos outros; e fica tudo muito bem.  Muito bem, vírgula, porque quanto mais passa o tempo, pior torna-se o serviço dos rodoviários, os quais, por não poderem se rebelar contra a exploração a que são submetidos, descarregam a raiva nos passageiros, que tentam processar as empresas.  Basta ver o péssimo serviço de alguns, que certamente é fruto da infelicidade.  Tomemos como exemplo um fiscal (veja bem: um fiscal, e não o fiscal).
       Havia pouco tempo (pouco mais de um mês), na Washington Luiz (BR 40), entrava um sujeito no ônibus para fiscalizar.  O desgraçado punha-se a fazer o trabalho com tanta minúcia, que demorava mais de cinco minutos (!).  Logo os passageiros passaram a queixar-se: começaram a manifestar pensamentos que só com muito autocontrole poderiam ficar ocultos, embora nenhum deles tivesse caído no palavrão.  Entretanto, o nosso herói lançava olhares severos aos lugares de onde vinham reclamações, como se com isso pudesse intimidar alguém: era irredutível; tanto que até retrucou quando alguém “atreveu”-se a censurá-lo ainda mais claramente.  A gota d’água, todavia, foi certa noite, quando o referido fiscal começou a contar o número de assentos ocupados num ônibus que estava completamente lotado.
       — Quanta burrice!  (bradou um senhor).  Não vê que todos os assentos estão ocupados!  Se quer contar, procure o número de assentos vazios; depois, faça a subtração!  Ou o senhor não sabe?  Se não, volte para a escolinha!
       Zangado, o fiscal respondeu, mas só o fez por fazer.  No fundo, estava arrasado, pois sabia que errara, sabia que tomara o tempo dos passageiros.  Devia estar amargurado por fazer um trabalho que o forçava a repetir uma operação; e quando teve oportunidade de fazer outra mais simples, não pôde, por causa da força do hábito.
       Depois disso nunca mais vi aquele fiscal — o que me entristece, porque talvez tenha sido demitido; mas também me alegra: é muito bom saber que o ônibus me levará à Avenida Brigadeiro Lima e Silva passando pela Washington Luiz sem longo atraso.
       Mas se eu, habitante do terceiro distrito, quiser ir ao centro do município pelo mesmo caminho, não poderei tomar o ônibus de outra empresa, pois só há uma que faz o trajeto, que é o mais rápido.  Às demais resta a Avenida Presidente Kennedy.  Esse é o monopólio de trajeto, esse é o consenso a que chegaram os empresários.
       Pagamos um preço altíssimo, toleramos a petulância dos rodoviários (os estudantes de escola pública mais que qualquer um), e ainda temos de suportar calor (na maioria dos ônibus não existe ar refrigerado) e sujeira.  Naturalmente, se reclamássemos aos empresários, eles diriam:
       — Mentira!  É justo o preço da passagem; nossos funcionários são felizes; e nossos ônibus, refrigerados e limpos.
       E eu acrescentaria:
       — É claro que é justo o preço da passagem, mas só para os senhores, que não vão a lugar nenhum de ônibus!  Os senhores sempre negarão tudo quanto se lhes disser sobre os absurdos que existem no seu empreendimento!  Nenhum dos senhores dirá: “É verdade, você e os outros cidadãos estão certos, e nós, errados: temos de melhorar a qualidade, substituir os micro-ônibus por ônibus grandes, dar emprego aos cobradores, etc.”
       Entro nos ônibus desta cidade todos os dias, porque tenho de ir à universidade.  E é caro fazer isso: meu dinheiro é pouco; e no entanto tenho de gastá-lo pagando uma tarifa de mais de quatro reais uma vez por dia (duas, se eu não for de trem, cuja passagem é de dois reais e oitenta centavos), quatro vezes por semana (não tenho aula às quintas-feiras).  E ainda há as mensalidades.  No Brasil, assim como em outros países, o universitário deve pagar para trabalhar.  Sim, pagar para trabalhar:
       estudo é trabalho (premissa maior);
       tenho de pagar para estudar (premissa menor);
       logo, tenho de pagar para trabalhar (conclusão).
       Apesar de tamanha dificuldade, vou à sala de aula assim mesmo, à noite.  No caminho de volta, depois de descer do ônibus a más horas, com poucas moedas no bolso e calça rasgada, penso nos assaltos a ônibus que poderiam ter acontecido, e que de fato acontecem, porque, assim como a tarifa de ônibus, a segurança pública depende da política, que é cada vez mais cruel para com o povo caxiense.
       Não desconfiam os ignorantes que a tarifa que tanto detestam é resultado da política a que têm aversão.  Em outras palavras, os analfabetos políticos se queixam, mas não sabem que a política é a raiz de tudo na sociedade, que é “um grupo de indivíduos que explora outro grupo de indivíduos”.  (Machado de Assis.)  Não deve ser difícil ouvir de alguém que não saiba o porquê das coisas: “Fulano rouba, mas faz.”  (Tolice maior não poderia haver.)
       Estão chegando as eleições de 2012, mas não há, até onde sei, um movimento político que se oponha seriamente às empresas de ônibus.  Esperemos, pois, que um grupo de candidatos mostre uma proposta que beneficie os que realmente produzem a riqueza do município, e não os que dela se aproveitam.
       Agora, um último desabafo: Hoje, tenho dinheiro de passagem para ir à sala de aula, mas amanhã deverei não ter.  Talvez a solução seja vender fósforos.


       (*) Na crônica Os gatos, do professor Diógenes Magalhães, diz-se: “Os jornais (que falam mal de todos, e não admitem que ninguém fale mal deles), referiram, há poucos dias, a perseguição que está sendo movida aos gatos (...).”
                                                     (Duque de Caxias, 21 de novembro de 2011.)

APÊNDICE

       Algum tempo depois de esta crônica ter sido publicada no Caxias Digital, subiu de novo o preço da passagem de ônibus em Duque de Caxias.  No terceiro distrito, paga-se um absurdo quando se vai ao centro do município.
       Dias atrás o preço da passagem das barcas também aumentou, e para impedir que manifestantes quebrassem o patrimônio da empresa responsável por elas, a polícia ficou de prontidão perto das roletas.  A diferença é que lá o Ministério Público está investigando o aumento, enquanto aqui... Tudo continua a mesma coisa, embora tenha sido feito um abaixo-assinado.
       Naturalmente, resta aos empresários a desculpa de que cartões iguais ao Bilhete Único são a solução.  Isso é mentira.  Com efeito: o dinheiro público — o nosso dinheiro — é usado para pagar aos empresários o restante do valor que não se paga com o Bilhete Único — como bem observou um passageiro das barcas ao ser entrevistado pelo RJ TV.  Então, se com um cartão alguém pagar menos de quatro reais por uma passagem de quatro reais e noventa centavos, o restante do valor o governo pagará com o dinheiro dos impostos.  É falso, portanto, o raciocínio segundo o qual o passageiro paga menos com o Bilhete Único, cujos créditos também custam muito, mesmo que com ele a tarifa fique mais "baixa" do que quando esta é paga com cédulas ou moedas.
***
       É absurda a expressão Caxias Shopping.  Se shopping (de shopping center) não fosse um termo estrangeiro, ele poderia ser usado, desde que fosse abandonada a sintaxe inglesa; assim: Shopping de Caxias.  Comparem: Biscoitos da Nestlé, ou: Biscoitos Nestlé (e não Nestlé biscoitos).  Como, porém, shopping é um termo estrangeiro, deveria ser substituído por Centro de lazer (em alguns casos, o termo deveria ser substituído por centro de compras, ou por algum neologismo que não seja um circunlóquio); logo, Caxias Shopping deveria ser conhecido como Centro de lazer de Duque de Caxias.
       Pensam alguns linguistas que isso é bobagem, que shopping, um anglicismo, foi aceito porque a língua "evolui".  Estão iludidos: Shopping é uma palavra perfeitamente substituível, como qualquer outra: só foi aceita porque a ditadura linguística dos ignorantes desprovidos de personalidade é a que impera.  Para eles, os semideuses norte-americanos possuem palavras sublimes.  Temos aqui mais uma prova — entre várias — do complexo de inferioridade dos brasileiros, que é tão grande, que se pode dizer que são macacos de imitação dos super-homens do norte.
       (Quem se detiver para ler Redação com base na Linguística (e não na Gramática) e Língua, Linguagem, Linguística..., do professor Diógenes Magalhães, entenderá o que estou dizendo.  Aquele competentíssimo linguista realmente sabe usar o bom senso; e conhece muito bem a Língua Portuguesa.)
       Contudo, não me restou escolha: tive de usar, ainda que a contragosto, o nome Caxias Shopping.


(Duque de Caxias, 11 de novembro de 2012.)