sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A AUDIÊNCIA DAS ENCHENTES

(Crônica.)
 
       Que as chuvas de verão são de agonizar, coisa é que já sabemos muito bem.  Em 30 de novembro, foi feita uma assembleia na câmara de vereadores de Duque de Caxias, para discutir o assunto.  A iniciativa foi de um dos “candidatos” a prefeito, o presidente da câmara, que, para preservar a saúde (já que fora submetido a uma cirurgia), não ficou até ao fim.
       A assembleia serviu de arena: muitos foram os momentos de ataque e defesa do prefeito.  Lembraram-se de dizer muitas coisas, das quais a maioria não tinha nada que ver com os meios de prevenir e amenizar os efeitos das inundações, embora tivessem feito questão de dizer que a represa de Xerém não romperia por causa das chuvas.  Este vereador citou as obras do prefeito (leia-se: da prefeitura), aquele o atacou ferozmente, e um terceiro defendeu-o com toda a veemência.  Não é de surpreender, todavia, que se fizessem ataques e defesas: a câmara existe para isso.  É melhor que haja as duas coisas do que apenas uma delas. Afinal, fazem parte da “democracia” (leia-se: sistema político em que a minoria manipula a maioria) o apoio e a oposição.  Mas deveria haver limites.
       E que fizeram os “indignados” da oposição na câmara?  Desperdiçaram tempo com ninharias: disseram, por exemplo, que Zito estava indo às escolas, onde estava “dando” brinquedos às crianças.  Ora, isso já era esperado.  Nunca dos nuncas um prefeito deixou de fazer sua brilhatura perto das eleições.  Por que haveria de ser diferente agora?  (Contudo, se ele distribuísse doces, os dentistas, sim, teriam razão em criticá-lo.)
       Obviamente pesa o fato de a prefeitura estar endividada: os “indignados” não deixaram de mencioná-lo.  As contas, estas se acumulam: já até foi cortada a força elétrica da sede da prefeitura.  Mas os “indignados” não fizeram questão de diminuir as despesas da câmara, que são muitas.  Quanto às contas, fico a pensar: “Como pode nosso município estar tão endividado, se é um dos mais ricos do país?  Como é possível que gaste mais do que recebe?  Será culpa de Zito?  Será culpa do azar (um conjunto de circunstâncias indesejáveis)?  Ou será algum tipo de calote do ex-prefeito, que teria adiantado o dinheiro de impostos, que as empresas de petróleo pagam por danos ambientais?”  Isso deve ser averiguado, porque não só tem muito que ver com as enchentes, como também com o rumo que a cidade tomará nos próximos anos.  (Estou disposto a acreditar nisso: parece lógico: prejudicou Zito; e Washington poderá beneficiar-se com a crise.  Mas não afirmo nada: falo de oitiva.)  Como serão feitas obras de prevenção  de enchentes, se não houver dinheiro?  E como saber em quem votar, se todos lançam meias verdades para agredir o prefeito?  Isso nenhum vereador “indignado” fez questão de dizer.  (O único vereador de oposição sério é o Nivan; do restante desconfio muito.)
       (Farei aqui uma observação.  Como cronista, devo ser testemunha do meu tempo.  Mas é possível ser testemunha imparcial?  A crônica é um texto muito subjetivo (do sujeito), de modo que é impossível não defender este ou aquele.  Portanto, por uma questão de honestidade, digo aos leitores que apoio o prefeito Zito.  Não pensem, porém, que farei vista grossa aos erros do seu governo.  Mas não acho que seus adversários possam ser bons prefeitos.  Fariam mudanças mais aparentes do que reais, como novas cores nos postes e nos meios-fios, novos uniformes escolares, etc.  Há quem pense que nos últimos 14 anos as mesmas pessoas têm governado Caxias, mas isso não impede que se troquem farpas.)
       A câmara foi lugar de ideias muito desanimadoras: naquela casa se mostrou o fatalismo.  Disseram algumas autoridades que estamos na Baixada Fluminense, abaixo do nível do mar, portanto — o que quer dizer, como fizeram questão de lembrar (como se não soubéssemos!), que sempre haverá enchentes.
       Mas, se há anos sofremos, não é só por causa da natureza: é também por causa da burrice (ou do descaso).  Se é possível atenuar as consequências da chuva, por que durante tantos anos não se empregaram mais e mais esforços para isso?  Pois não é verdade que é possível amenizar os efeitos da natureza em países onde há terremotos?
       — É obrigação da prefeitura fazer obras que amenizem as inundações, assim como tantas outras coisas (disse um dos vereadores por todos os outros).  O que fazemos é cobrá-las.
       Mas houve quem foi além:
       — Dizem os senhores que não podem fazer obras (disse uma morada de Parada Morabi), mas, quando chegam as eleições, enfiam-se em qualquer buraco em busca de votos, e prometem obras!
       Era o caso de acrescentar:
       — Que tanta cobrança é essa?  Todos os anos ocorrem os mesmos problemas!
       Muito embora eu tenha dado, linhas acima, um conceito muito duro à palavra democracia, ouviu-se a voz dos cidadãos na câmara: foi como se o poder do povo se manifestasse acima da burocracia:
       — Por que não há combate à leptospirose depois das chuvas?
       — As obras nos rios, por que elas foram feitas na origem deles, e não onde deságuam?  O lixo delas veio para nós!
       — Onde estão as casas populares?
       Um discurso muito interessante foi o seguinte:
       — Nosso município poderia gastar 23 mil reais com cada habitante.  Onde está esse dinheiro?
       Seu autor também disse isto:
       — Em São Paulo, o habitante cuja casa é inundada em virtude de fortes chuvas não é obrigado a pagar impostos.  Deveria acontecer o mesmo aqui.
       (Havia uma pessoa humilde, que provocou risos ao falar: usou expressão de gíria, enquanto cometia erros gramaticais.  Mas, se os vereadores e as demais autoridades podiam cometer solecismos dos mais graves, enquanto empregavam siglas, porcentagens e expressões pedantescas e obscuras nos discursos de improviso, que mal havia em que alguém do povo usasse a única linguagem que conhecia?)
       O momento mais intrigante de todos foi o do discurso da vereadora Fátima Pereira, defensora do prefeito.  A plateia não compreendia.  Disse que o governo era transparente; depois, que isso se prova; e, por fim, pôs-se a fazer críticas e cobranças com inflexão de voz tal, que, se alguém entrasse no recinto no final de seu discurso, poderia muito bem pensar que ela é da oposição.
       O raciocínio mais intragável foi apresentado quando ela citou o nome de bairros em que supostamente se fazem obras.
       — Onde estão os seus habitantes?  (perguntou).  Não estão aqui, não vieram para reclamar nada.
       Obviamente ignorava (ou fingia ignorar) que muitos já tinham ido para casa (talvez porque tivessem de cozinhar para os filhos).  E a tarifa de ônibus alta e injusta?  Esta não podia impedir que fossem à câmara.  Parecia que a pobreza do povo era um delírio, e não um fato.  Não engulo o que disse.  (Entretanto, fez ela muito bem ao dizer, numa sessão mais recente, que os vereadores da oposição terão de engolir o prefeito: eles lambiam a mão dele, e agora a mordem porque querem tirar proveito da fraqueza dele.)
       Esperemos, contudo, que seja verdade que a represa de Xerém não romperá, e que os sensores climáticos do Instituto Estadual do Ambiente funcionem.
       Diante do que exponho, é difícil saber o que é pior: se as dívidas, ou se o fato de a audiência ter sido um ato quase nulo.  É mais fácil contar com a natureza do que com a maioria dos vereadores.  (Nem sequer foram à posse do presidente da Academia Duquecaxiense de Letras e Artes.  Não podem ser sérios.)
       Eu, que fui à audiência, lamento uma coisa: não ter levado um saquinho de pipoca.
 
 
                                                                       (Duque de Caxias, 21 de dezembro de 2011.)
 
 
APÊNDICE
 
       Às vezes, o que dizemos não corresponde àquilo que pensamos.  Assim como nossas lembranças não são a realidade passada em si, mas sim registros feitos em nossa memória, o que dizemos não é propriamente o que pensamos, mas sim a exteriorização do que temos em mente.  O que falamos e escrevemos são o retrato fiel do que pensamos, exceto quando mentimos, ou quando refletimos e manifestamos uma ideia no lugar de outra.  Assim, quando uma pessoa quer fazer uma crítica, pode pensar bastante e torná-la branda, de modo que o que sai da boca é só uma diminuta parte daquilo “de que está cheio o coração”.  Isso, de certa forma, anula a honestidade em nome da boa convivência.
       Quando pensamos muito, não somos sinceros (algo que pode ser condenável ou louvável, a depender da situação), ou simplesmente substituímos uma ideia por outra que consideramos melhor (essa atitude tende a ser digna de aprovação).  Isso vale tanto para quem fala, para quem se preocupa com o que pode “escapar da barreira dos dentes”, ou com o fato de que o peixe morre pela boca, como para quem escreve.  Entre os falantes, há quem prefira ficar calado (“o calar é de ouro, o falar é de prata”).  Quem se mantém em silêncio durante a maior parte do tempo é taciturno, mas também pode ser sensato.
       Entre os que escrevem (e também entre os que falam), há os que distorcem a realidade.  É o caso de jornalistas.  Há também os redatores que usam sua habilidade para elogiar ou para declarar apoio a alguém.  Fiz isso, mas fiz porque achava que conseguiria emprego.  Foi um erro dizer que prefiro ver um candidato eleito a ver outro.  Mentir na esperança de que alguém me daria emprego é algo de que me arrependo.
       Durante a elaboração da crônica intitulada A audiência das enchentes, eu não tinha nem um pouco de vontade de apoiar ninguém que se candidatasse ao cargo de prefeito deste desgraçado município.  A insignificante declaração de apoio foi um ato de hipocrisia.  E hoje (28/5/2013), o que realmente penso é isto: Os carroceiros devem cuidar das carroças, os feirantes devem trabalhar na feira e os médicos devem cuidar dos doentes (e dos modos de prevenir doenças).  O que nenhum deles deve fazer é se meter na política, a menos que algum deles se prepare convenientemente para ela e deixe de exercer a antiga profissão.  (Sabemos que isso é quase uma fantasia: um bom político é uma agulha no palheiro.)
       “Os hospitais são dirigidos por médicos; os departamentos jurídicos são entregues aos advogados; os laboratórios são orientados pelos químicos; a guerra é feita pelos militares; os navios são entregues aos marujos; os aviões, aos aviadores.”  (Diógenes Magalhães, Revolução com base na lógica (e não na metralhadora), pág. 51.)  “Mas quando se trata de governar um país, convida-se um aventureiro. As leis são escritas por indivíduos que não entendem absolutamente nada de legislação (...).”  (Idem, ibidem, pág. 51.)  (Agora já se sabe o motivo por que a Educação no Brasil não é levada a sério: Os políticos não são profissionais: não estudam para ser políticos.  Alguns são até semianalfabetos.  Desde que tenham fama e acatem as ordens dos partidos, que são verdadeiras facções, conseguirão entrar nas casas legislativas ou nas sedes do poder executivo.  Nas casas legislativas, a maioria dos legisladores não é formada por jurisconsultos.)
       Não é preciso ter preparo para governar Duque de Caxias: ao indivíduo que tiver dinheiro, ligação com um partido e sede de poder basta fazer campanha.
       A verdade é esta: Toda manifestação de apoio que fiz a um político foi hipocrisia, fingimento.  Além disso, quero que se implante no Brasil o sistema político de Diógenes Magalhães (um intelectual brasileiro pouco conhecido), que diz que são falhos todos os sistemas políticos que já foram implantados. Uma vez que são falhos, faz-se necessário implantar um novo.  “Vale a pena experimentar”. Mas como é esse sistema, do qual o estudioso trata em dois livros: Revolução com base na lógica (e não na metralhadora) e Reforma?
       É assim: Os políticos não são eleitos: não há a farsa das eleições, nem democracia, nem partidos políticos. Há escolas de Política, nas quais entram meninos (que devem usar uniforme especial), e das quais saem os que têm vocação para a Política, a qual exige sacerdócio. Nas escolas, os alunos estudarão: Português, Inglês, Francês, História Universal, História do Brasil, Geografia Geral (escola média); Ciência das Finanças, Economia Política, Administração, Liderança, Psicologia e Lógica, Ciências Sociais, Filosofia do Direito (escola superior). Com as escolas, haveria políticos competentes para cuidar do país, e não indivíduos despreparados que veem a Política como meio de enriquecer. Se tudo o mais é administrado por quem tem competência e formação escolar, por que com o país é diferente?
       Naturalmente, o sistema não será perfeito, mas pode ser adotado. Além disso, nele não há margem a que os políticos devam favores a cabos eleitorais e a facções políticas. Não há, pois, os defeitos do sistema atual. Há, sim, o reconhecimento do fato de que os homens gostam de mandar: não é ignorada a vaidade humana. Contudo, nas escolas, aprendem os políticos que devem se preocupar apenas com o povo.
       Não se recorre nem ao comunismo (uma doutrina funesta), nem ao socialismo, nem ao absolutismo. Não se defende a ditadura, e aceita-se o capitalismo.
       O motivo pelo qual a base do sistema não é a democracia está em que ela não existe, embora a farsa das eleições faça o povo pensar que ele escolhe os políticos que o “representam”. A democracia na Grécia, por exemplo, aceitava a escravização. Logo se vê que ela (a democracia) começou com a opressão. A palavra democracia, assim como o vocábulo partido, é desmoralizada. No caso de partido, é fácil saber que tirar partido é tirar PROVEITO. (“Tirou PARTIDO de mim”, diz uma canção popular.)
       Em época de eleição, o povo não escolhe ninguém. Mas os grupos econômicos, estes escolhem. Ademais, não há garantia de que será respeitada a vontade da maioria. Segundo Diógenes Magalhães, Salvador Allende, no Chile, foi eleito com 36% dos votos. Portanto, 64% dos eleitores não queriam que Allende fosse presidente. Nos E.U.A. houve casos parecidos. Mas de que adianta respeitar a vontade da maioria, se só é possível “eleger” candidatos impostos pelos partidos e pelos grupos econômicos?
       Por tudo quanto digo (com base nos livros de Diógenes Magalhães), é absurdo dizer que o povo é culpado pelas mazelas da sociedade.  Ele não escolhe nada nem ninguém, e mesmo se não fosse um analfabeto político, não escolheria.  O povo nunca é culpado: ele é sempre sacrificado.
       Como implantar o novo sistema? Quem fará isso? Minha resposta: Munida com os argumentos de Diógenes Magalhães, deverá uma elite de intelectuais lutar contra o sistema vigente. É isso o que tem de ser feito.
      


 

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