terça-feira, 30 de julho de 2013

AMARELINHO E LARANJÃO
       Estive pensando...  Vaqueira é a mulher que trabalha como guarda ou como condutora de gado vacum, formado por vacas, bois e novilhos; mas asneira não é a mulher que trabalhe como guarda ou condutora de asnos. Naturalmente, não há nenhum problema. Como diria o professor Diógenes Magalhães, toda palavra é convencional. Convencionou-se que o vocábulo asneira seria sinônimo de bobagem, tolice. E essa convenção é arbitrária e coletiva. Os lexicógrafos sabem disso, e elaboram dicionários respeitando o princípio da arbitrariedade do signo linguístico, defendido por Saussure. Portanto, apesar de o sufixo eira indicar profissão, temos de admitir que, em tese, asneira não designa a mulher que vigie ou conduza asnos. Da mesma forma, cinzeiro designa o lugar de cinzas, e não o homem que com elas trabalha.
       Toda palavra é um signo linguístico formado por uma sequência de sons, e todo signo é uma coisa que está no lugar de outra, de modo que a primeira possa representar a segunda. Assim, elefante está aqui no lugar daquele animal. A sequência de sons é como uma fotografia, uma imagem. Por isso diz-se que ela (a sequência) é uma imagem acústica. Essa sequência também é conhecida como significante, e está ligada ao significado, que, por sua vez, é um conceito, uma coisa abstrata que temos na mente por causa de algo concreto. O elefante não pode ficar na mente. O que nela fica é o conceito elefante. E a sequência de sons elefante (/e/ /l/ /e/ /f/ /ã/ /t/ /i/) não se liga ao animal: liga-se ao conceito, ao significado; este, por sua vez, está ligado ao ser físico, concreto. (Palavras há que designam coisas puramente abstratas. É esse o caso de felicidade, de ódio, de bondade e de outros vocábulos que denominam coisas não físicas, isto é: coisas que não são externas ao corpo e que não se podem experimentar com pelo menos um dos cinco sentidos.  As três coisas mencionadas não são físicas, mas são reais; apenas dependem de indivíduos que amem, que odeiem e se sintam felizes para elas existirem.)
       Diz-se que é arbitrária a ligação entre significante e significado. Se isso é verdade, é perfeitamente aceitável que Pikachu dê lugar a Amarelinho. E Laranjão pode substituir Raichu. Pouco importa que “chu” queira dizer rato, e pouco importa que “pika” indique eletricidade (nem sei se tudo isso é verdade; não estudei a língua japonesa): O Pikachu, um ser ficcional (e concreto a outros seres ficcionais da sua história) não é igual a um rato; portanto, seu nome não deveria ser “Eletrorrato”. Mas, se não é igual a um rato, por que os japoneses usam o nome Pikachu? Porque lhes convém! O nome é uma convenção que não obedece a princípios rigorosamente lógicos. Para os brasileiros e para outras pessoas cuja língua materna é o português é ainda mais conveniente o uso de nomes criados com morfemas da língua portuguesa.  A principal característica do Pikachu é a sua cor. O mesmo se diga do Raichu. (Com o perdão do trocadilho, que raio quer dizer “rai”? Não sei, e as crianças de 1999 também não sabiam.)  Amarelinho e Laranjão teriam a mesma função que Picachu e Raichu: ligar-se-ia cada um deles ao respectivo significado, que é um registro da memória sobre um ser que só existe em ficção.
       Lembro-me da palavra Poltergeist.  A respeito dela, faz o competentíssimo professor Diógenes Magalhães a seguinte consideração: “O que os alemães formaram foi (aproximadamente): barulhofantasma.  Convencionalmente, ficou estabelecido que essa palavra indicaria o provocador de uma série de fenômenos estranhos, ainda não esclarecidos pelos que os estudaram.”  (Língua, Linguagem, Linguística..., página 124.)  E acrescenta (no mesmo livro, páginas 124 e 125): “Trata-se de convenção — mera convenção.  O termo germânico não esclarece nada: o indivíduo que não conhece o caso nunca saberá o que significa Poltergeist, mesmo que conheça bem a língua alemã.  Se, portanto, eu traduzir Poltergeist em, por exemplo, bole-bole, e se a tradução for aceita pelo público, haverá — convencionalmente — uma palavra portuguesa para designar o misterioso ser que dá pancadas na mesa, imita pessoas no andar de cima, tira objetos do lugar, atira pedra sem atingir ninguém, etc.  Será convenção, mera convenção, tanto em alemão como em português.”
       Muitos são os nomes de personagens traduzidos: Pernalonga, Patolino, Sininho, Soneca. Na Bíblia, nomes traduzidos não faltam. James, por exemplo, é conhecido no Brasil como Tiago. Diógenes Magalhães e Lia Wyler defendem a tradução de nomes próprios. Diz a tradutora que é comum verterem-se nomes próprios em livros infantis: é prática mundial. Diógenes aponta muitos nomes próprios vertidos; alguns são estes: Ricardo Coração de Leão, Japão, Alemanha, Inglaterra. Por que não traduzir ou adaptar nomes de criaturas de videojogos e de desenhos animados?
       E o nome dos outros pokemons (não uso acento gráfico: pokemons é palavra oxítona)? Eles são portáteis criaturas. São portaturas (temos aqui uma palavra composta por aglutinação). Os norte-americanos não aceitam os nomes originais. O restante do mundo, porém, aceita os nomes usados por norte-americanos, criados por tradutores, que têm conhecimentos de Linguística, e que por isso mesmo sabem da arbitrariedade do signo linguístico. Podem os estadunidenses usar Psyduck, mas eu não posso usar Psicopato.
       Para terminar este texto, pergunto: Por quanto tempo a Nintendo e os distribuidores de todos os produtos ligados à marca Pokémon (agora uso o acento gráfico) vão impor ao mundo nomes que as pessoas não pronunciam corretamente?
                                                                                     
COMENTÁRIO
       Ao inserir no texto a palavra pokemons, o autor não só desprezou deliberadamente a ideia de que ela não tem plural, como também desprezou a de que não deve ser usada como um substantivo comum (com inicial minúscula).  Além disso, ignorou o fato de acento gráfico e acento tônico serem coisas diferentes; daí o motivo pelo qual eliminou o acento gráfico.  Mas quando fez uso de Pokémon, manteve o acento gráfico, embora pensasse, por ignorar a realidade da diferença entre o acento tônico e o gráfico, que ele (o acento gráfico) não tivesse razão de ser.  Só o manteve porque se tratava de um nome próprio.  (A hipótese segundo a qual os povos de língua inglesa pensem que o acento gráfico (´) deve ser usado para destacar a vogal da sílaba -ké em Pokémon, para o autor, não faz sentido, ainda que ele não tenha conhecimentos suficientes de Inglês para descartar a suposição.  Também não pode dizer, por falta de conhecimento, que o acento não é necessário para indicar uma vogal aberta, função que em língua portuguesa é diferente da de indicar a força da vogal de uma sílaba tônica.)  A conclusão a que se chega é esta: O autor tenta usar uma grafia que esteja de acordo com a prosódia brasileira, mas hoje (6/11/2013) reconhece que isso não era e ainda não é necessário.  Os acentos gráficos podem corresponder aos acentos tônicos.  Estes estão em todas as palavras formadas por mais de uma sílaba, ao passo que aqueles estão em muitas delas, mas não em todas.  Em Xingu há acento tônico, pois a sílaba mais forte é a última; no entanto, não há (não pode haver) acento gráfico.  Tudo isso se aplica às palavras do nosso idioma, mas pode não se aplicar a estrangeirismos, até porque não cabe a qualquer um aportuguesar a grafia de uma palavra estrangeira, mesmo que lhe seja oxítona.  Mas se a decisão foi aportuguesar, que usasse apenas a forma aportuguesada.  Não foi bom usar pokemons e Pokémon, apesar da flexão de número.   

domingo, 28 de julho de 2013

                                                         À MAIS BELA

                       És um sonho em forma de menina.
                       É por seres tão maravilhosa tela
                       Que te dou estas palavras finas,
                       As quais te moldam; mas quanto tu não são tão belas.

                        Vi que é muito firme o teu olhar;
                        Não ousei sustentá-lo por muito tempo:
                        Baixei os olhos, de modo que pude contemplar
                        O teu formoso desenvolvimento.

                        Tens tudo: inteligência e beleza, que desabrocha.
                        Tua mente está aberta aos estudos,
                        E na flor da idade estás agora.

                        Nada disso, porém, é novidade:
                        Não há nenhuma neste mundo.
                        Contudo, és uma joia de menina — uma preciosidade.

                                                                     (Duque de Caxias, 13 de julho de 2012.)


APÊNDICE
      
       Escrevi estes versos pensando numa menina que roubou o meu coração. Não fiz com que chegassem a ela. Em verdade, eu nem a conheço muito bem. Mas quando a vi, percebi que era (e ainda é) encantadora. Creio que seja uma garota em cujo dedo se deve pôr uma aliança.  É digna de ser a dona do meu coração; é digna de ser minha suserana.
       No original, lia-se: ...mas como tu não são tão belas.  Alterei essa parte para que se evite um possível erro de interpretação.
       A jovem à qual é dirigida a mensagem do soneto é um anjo, um ser celestial.  Nem o mais incandescente dos astros brilha tanto quanto a sua graciosidade; nem o mais pálido raio de luar é mais puro e alvo que seu semblante juvenil; nem a mais suntuosa e mais polida moldura de ouro é tão resplandecente e firme quanto os seus olhos; nem os mais belos véus de água de cachoeira são tão bonitos e puros quanto os seus cabelos; nem o mais límpido céu é tão perfeito quanto ela, por quem Deus deveria descer à Terra, onde proclamaria a eternidade da primavera, que passaria a ser estação única.  Eu beijaria o chão em que ela (a menina) põe os pés.  Ai, Deus, deixe-me vê-lasempre, por favor, deixe-me ver aquela linda menina todos os dias.  Se não, dê-me a morte.
                                                                          
                                                                          (Duque de Caxias, 28 de julho de 2013.)


PALAVRAS DESNECESSÁRIAS
 
       Eu gostaria de saber o que sustenta a sem-razão de exigir que estudantes (de ensino médio, e até de ensino superior), que podem escrever textos de 10 ou 15 linhas, elaborem escritos de 20 ou 40 (quantidades “mínimas”).  Gostaria de saber o que pensam certos professores de Língua Portuguesa a respeito dos preceitos que devem presidir à elaboração de um texto.
       O que se vê, nos concursos e nas escolas, são limites muito arbitrários.  Contudo, quem se põe a escrever deve se preocupar com a concisão.
       Lembro-me de uma professora de Sociologia, que pediu um trabalho de pelo menos 40 linhas. Embora eu não me lembre do que escrevi, tenho viva a lembrança de que eu podia ter terminado a composição na 25ª linha; contudo, fui obrigado a preencher mais 15.
       “Nos antigos concursos do Banco do Brasil, costumava-se pedir que os candidatos redigissem carta de acordo com um tema (...). Mas como a intenção era apurar o grau de conhecimentos de gramática do candidato (e não de técnica de redigir), o banco fixava os limites máximo e mínimo de linhas de cada carta: mínimo de 15 linhas, máximo de 25.”  (Diógenes Magalhães, Redação com base na Linguística (e não na Gramática), 10ª edição, pág. 117.)
       “Insistimos em que era errado tal critério. Se o candidato elaborasse uma boa carta em 10 linhas, nas quais dissesse tudo quanto fosse necessário, e de maneira clara, simples e correta, devia ser aprovado com distinção e louvor.”  (Idem, ibidem, 117.)
       “Foi passando o tempo, e como os candidatos eram aprovados sob esse critério, criou-se a mística de que a maneira certa de escrever cartas comerciais (ou bancárias) era escrever cartas longas: quanto mais comprida a missiva, tanto melhor seria considerada. Cartas de três linhas, por exemplo, nada valiam.”  (Idem, ibidem, 117.)
       “Mas o contrário disso é que é o certo. (...) As mensagens curtas são as melhores. O poder de síntese é dificílimo de ser alcançado, mas é o que mais se deve lutar por conseguir.”  (Idem, ibidem, 117.)
       “Mas o contrário disso é que é o certo...”  Infelizmente, muitos professores não pensam assim.
       “Ensinam” como fazer redações, ou apenas exigem que se façam, sem todavia explicar bem a técnica de lidar com a palavra. Os bons professores se esforçam por ensinar algo, mas não podem ensinar muito. No caso dos alunos que queiram se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (o Enem) e ao vestibular, o professor é obrigado a exigir textos de pelo menos 20 ou 25 linhas. Acho difícil elaborar uma dissertação com menos, mas é preciso lembrar que o aluno que elabora um bom texto de 19 linhas, por exemplo, deve receber boa nota, porque os concursos públicos não são mais importantes que a lógica e o bom-senso. Entretanto, mesmo os bons professores, apesar de terem a boa vontade de realmente ensinar algo, caem na tolice de estabelecer quantidades mínimas de linhas que, em verdade, não são tão mínimas, por causa dos concursos. O que o professor de Redação deve dizer aos alunos é isto: “Quero que façam uma redação sobre tal tema. A meu ver, vocês não conseguirão elaborar um bom texto com menos de 20 linhas, mas posso estar enganado, de modo que receberá boa nota o aluno que conseguir dar à luz um bom escrito com menos de 20.  Afinal, é difícil eliminar palavras desnecessárias. Contudo, não devem passar de 30 linhas, embora o limite máximo também possa ser injusto, de maneira que não tirarei pontos caso algum de vocês me apresente um texto que exceda esse limite. Saibam que é bom respeitar o mínimo de 20 ou de 25 linhas, porque o mínimo dos concursos, em geral, é uma dessas quantidades; e estas, apesar de não serem necessariamente absurdas, são arbitrárias.  Sei que estabelecer um tamanho mínimo, que pode ser demasiado longo, pode ser tão injusto quanto estabelecer um máximo, que pode ser curto demais; por isso vocês podem ficar à vontade para não respeitar o número de linhas que sugiro. Não quero que escrevam nem de mais, nem de menos: quero que escrevam apenas o necessário. É difícil, eu sei.  Por fim, peço que se lembrem de respeitar os limites dos concursos.”  Algum professor já disse isso?
       Um dia ainda descobrirei o motivo pelo qual professores de Português e de Ciências Humanas não percebem que difícil é dizer muito com poucas palavras; um dia ainda serão convencidos de que é muito mais digno de boa nota o aluno que consegue contar uma boa história ou dissertar em 25 linhas em vez de 40.
       Professores que ignoraram a realidade e desprezam o princípio da concisão não sabem redigir, e portanto não devem “ensinar” nem cobrar redações de ninguém. Que sabem eles? Têm o hábito de escrever? Seriam eles capazes de fazer um bom texto no Enem?
       Devem voltar a estudar os professores que ignoram o princípio da concisão.  Adotado esse preceito, elimina-se a mística de que todo bom texto é necessariamente longo, aprende-se que dizer mais com menos palavras é o correto e difunde-se a preocupação com o leitor, que quer textos sucintos. Isso é possível: Basta saber que concisão não é o mesmo que pobreza de conteúdo (pelo menos não necessariamente).


COMENTÁRIO     

       Usou-se a grafia Enem (sem acento gráfico) porque a palavra é uma sigla.  Além disso, não deve haver originalidade à custa de extravagância.  Contudo, as palavras também e refém levam acento gráfico por um motivo óbvio.  Portanto, não seria tão absurdo escrever Eném.  O que permite o uso da grafia Enem é o fato de acento tônico e acento gráfico serem coisas diferentes (que o diga o professor Nílson Teixeira de Almeida).  Embora algum escrúpulo ortográfico gerado por analogia possa fazer com que um redator deseje que se use o acento gráfico, este não se faz necessário: todos sabem que a última sílaba da palavra Enem é a mais forte.

                                                                 (Duque de Caxias, 6 de novembro de 2013.)