domingo, 28 de julho de 2013

PALAVRAS DESNECESSÁRIAS
 
       Eu gostaria de saber o que sustenta a sem-razão de exigir que estudantes (de ensino médio, e até de ensino superior), que podem escrever textos de 10 ou 15 linhas, elaborem escritos de 20 ou 40 (quantidades “mínimas”).  Gostaria de saber o que pensam certos professores de Língua Portuguesa a respeito dos preceitos que devem presidir à elaboração de um texto.
       O que se vê, nos concursos e nas escolas, são limites muito arbitrários.  Contudo, quem se põe a escrever deve se preocupar com a concisão.
       Lembro-me de uma professora de Sociologia, que pediu um trabalho de pelo menos 40 linhas. Embora eu não me lembre do que escrevi, tenho viva a lembrança de que eu podia ter terminado a composição na 25ª linha; contudo, fui obrigado a preencher mais 15.
       “Nos antigos concursos do Banco do Brasil, costumava-se pedir que os candidatos redigissem carta de acordo com um tema (...). Mas como a intenção era apurar o grau de conhecimentos de gramática do candidato (e não de técnica de redigir), o banco fixava os limites máximo e mínimo de linhas de cada carta: mínimo de 15 linhas, máximo de 25.”  (Diógenes Magalhães, Redação com base na Linguística (e não na Gramática), 10ª edição, pág. 117.)
       “Insistimos em que era errado tal critério. Se o candidato elaborasse uma boa carta em 10 linhas, nas quais dissesse tudo quanto fosse necessário, e de maneira clara, simples e correta, devia ser aprovado com distinção e louvor.”  (Idem, ibidem, 117.)
       “Foi passando o tempo, e como os candidatos eram aprovados sob esse critério, criou-se a mística de que a maneira certa de escrever cartas comerciais (ou bancárias) era escrever cartas longas: quanto mais comprida a missiva, tanto melhor seria considerada. Cartas de três linhas, por exemplo, nada valiam.”  (Idem, ibidem, 117.)
       “Mas o contrário disso é que é o certo. (...) As mensagens curtas são as melhores. O poder de síntese é dificílimo de ser alcançado, mas é o que mais se deve lutar por conseguir.”  (Idem, ibidem, 117.)
       “Mas o contrário disso é que é o certo...”  Infelizmente, muitos professores não pensam assim.
       “Ensinam” como fazer redações, ou apenas exigem que se façam, sem todavia explicar bem a técnica de lidar com a palavra. Os bons professores se esforçam por ensinar algo, mas não podem ensinar muito. No caso dos alunos que queiram se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (o Enem) e ao vestibular, o professor é obrigado a exigir textos de pelo menos 20 ou 25 linhas. Acho difícil elaborar uma dissertação com menos, mas é preciso lembrar que o aluno que elabora um bom texto de 19 linhas, por exemplo, deve receber boa nota, porque os concursos públicos não são mais importantes que a lógica e o bom-senso. Entretanto, mesmo os bons professores, apesar de terem a boa vontade de realmente ensinar algo, caem na tolice de estabelecer quantidades mínimas de linhas que, em verdade, não são tão mínimas, por causa dos concursos. O que o professor de Redação deve dizer aos alunos é isto: “Quero que façam uma redação sobre tal tema. A meu ver, vocês não conseguirão elaborar um bom texto com menos de 20 linhas, mas posso estar enganado, de modo que receberá boa nota o aluno que conseguir dar à luz um bom escrito com menos de 20.  Afinal, é difícil eliminar palavras desnecessárias. Contudo, não devem passar de 30 linhas, embora o limite máximo também possa ser injusto, de maneira que não tirarei pontos caso algum de vocês me apresente um texto que exceda esse limite. Saibam que é bom respeitar o mínimo de 20 ou de 25 linhas, porque o mínimo dos concursos, em geral, é uma dessas quantidades; e estas, apesar de não serem necessariamente absurdas, são arbitrárias.  Sei que estabelecer um tamanho mínimo, que pode ser demasiado longo, pode ser tão injusto quanto estabelecer um máximo, que pode ser curto demais; por isso vocês podem ficar à vontade para não respeitar o número de linhas que sugiro. Não quero que escrevam nem de mais, nem de menos: quero que escrevam apenas o necessário. É difícil, eu sei.  Por fim, peço que se lembrem de respeitar os limites dos concursos.”  Algum professor já disse isso?
       Um dia ainda descobrirei o motivo pelo qual professores de Português e de Ciências Humanas não percebem que difícil é dizer muito com poucas palavras; um dia ainda serão convencidos de que é muito mais digno de boa nota o aluno que consegue contar uma boa história ou dissertar em 25 linhas em vez de 40.
       Professores que ignoraram a realidade e desprezam o princípio da concisão não sabem redigir, e portanto não devem “ensinar” nem cobrar redações de ninguém. Que sabem eles? Têm o hábito de escrever? Seriam eles capazes de fazer um bom texto no Enem?
       Devem voltar a estudar os professores que ignoram o princípio da concisão.  Adotado esse preceito, elimina-se a mística de que todo bom texto é necessariamente longo, aprende-se que dizer mais com menos palavras é o correto e difunde-se a preocupação com o leitor, que quer textos sucintos. Isso é possível: Basta saber que concisão não é o mesmo que pobreza de conteúdo (pelo menos não necessariamente).


COMENTÁRIO     

       Usou-se a grafia Enem (sem acento gráfico) porque a palavra é uma sigla.  Além disso, não deve haver originalidade à custa de extravagância.  Contudo, as palavras também e refém levam acento gráfico por um motivo óbvio.  Portanto, não seria tão absurdo escrever Eném.  O que permite o uso da grafia Enem é o fato de acento tônico e acento gráfico serem coisas diferentes (que o diga o professor Nílson Teixeira de Almeida).  Embora algum escrúpulo ortográfico gerado por analogia possa fazer com que um redator deseje que se use o acento gráfico, este não se faz necessário: todos sabem que a última sílaba da palavra Enem é a mais forte.

                                                                 (Duque de Caxias, 6 de novembro de 2013.)

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