domingo, 26 de outubro de 2014

IMPRESSÕES SOBRE A RECENTE EDIÇÃO BRASILEIRA DAS ADAPTAÇÕES LITERÁRIAS DA TRILOGIA CLÁSSICA DE STAR WARS

       Está à venda nas livrarias um livro de capa dura e prateada, em que fica estampada a figura de Darth Vader. Trata-se de um volume que reúne três romances, que são adaptações dos episódios IV, V e VI, sob o título Star Wars: A Trilogia. Depois de folheá-lo na livraria Saraiva, atrevo-me a dizer que não vale a pena comprá-lo.
       É exorbitante o preço. Em verdade, é obsceno: o livro custa, aproximadamente, sessenta reais. O valor é ainda mais obsceno quando se nota a qualidade das traduções. As poucas linhas que li permitem que eu diga que é baixíssima. Usaram-se aspas para marcar os discursos das personagens, embora o correto seja usar travessões nos diálogos. Isso é sinal de subserviência às normas da língua inglesa.
       Não bastasse o uso de aspas, encontra-se numa das páginas o verbo “retornar” (sem "r", com acento) unido ao pronome “las”. (Isso acontece no discurso de Darth Vader, que se refere às fitas que contêm os planos da Estrela da Morte interceptados pela princesa Leia.) Até aí tudo bem. Tudo bem, vírgula, porque, embora não haja erro de gramática, há imitação servil de “return them”. Será possível que os tradutores não saibam que há uma enorme diferença entre fidelidade e subserviência? Onde o tradutor escreveu "retorná-las" deveria ter escrito "devolvê-las".
       Pronomes do caso reto poderiam ser perfeitamente suprimidos, mas não foram. Fico a imaginar as outras evidências de má tradução, como o uso sistemático da ordem direta (sujeito à frente de verbo), mas o pouco que li já basta para saber que não devo gastar dinheiro (que, aliás, é apoucado) comprando uma edição que, do ponto de vista mercadológico, vale muito mais do que outras, mas que, do ponto de vista artístico, vale muito menos.
       Não sei se os tradutores sabem que o trabalho deles é o de transcriar o texto. Talvez saibam. Os revisores é que podem ter “melhorado” o texto original (sim, a tradução também é um texto original, pois, uma vez que o tradutor é o seu autor, como diz a grande tradutora Lia Wyler, recebe o “status” de trabalho original). Os revisores podem ter deturpado as versões (reunidas no volume). Não devem eles ser apedrejados, pois, apesar de terem sido subservientes ao texto original, o grotesco trabalho servil digno de macacos de imitação que fizeram deriva da condição de vassalos da editora, que não sabe nada de arte de traduzir, e que aceita tacitamente as imposições dos detentores dos direitos de obras estrangeiras, que, naturalmente, não sabem que todo texto traduzido deve se aproximar do que o autor do texto estrangeiro elaboraria se dominasse a língua para a qual se traduz.
       O único ponto positivo do livro são os prefácios de George Lucas e a revelação do nome do escritor-fantasma responsável pela adaptação do episódio IV (Alan Dean Foster). Contudo, o nome dele, assim como o dos outros escritores, pode ser encontrado em trabalhos que não sejam fancarias (fancaria é trabalho mal-acabado), e que sejam mais baratos.
       Não quero desmerecer ninguém, mas o que está à venda nas livrarias são cópias mal feitas de livros fantásticos. A prova de que esses textos literários são bons está nas traduções mais antigas. A versão do episódio IV, por exemplo, intitulada Guerra nas Estrelas, lançada pela Record em 1978, é muito superior a que se vende hoje. A versão mais recente não tem nem um décimo do brilho nem do esmero da tradução vendida pela Record, tradução essa que foi feita por Ronaldo Sérgio de Biasi. (Muito obrigado, Ronaldo!)
       Não deve comprar o livro prateado quem gosta de Star Wars. O texto que ele contém não faz jus à prosa estrangeira, que há de ser boa, porque só um texto bem feito pode ser a base de uma boa tradução, como a de Biasi, que eu li quando tinha quinze ou dezesseis anos. Pagar sessenta reais por um produto ruim é insultar o trabalho de George Lucas e o dos romancistas.
       Não vale a pena gerar a receita (de que se extrai o lucro) de uma editora que explora a marca de Star Wars empurrando aos leitores uma coleção que aumenta a quantidade de livros ruins nas livrarias. É altamente aconselhável visitar as livrarias conhecidas como sebos. Nelas se acham versões melhores. É questão de bom-senso. Que ele esteja com os fãs da saga de George Lucas.

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